Por Sandro Barros
Quanta privacidade estamos dispostos a sacrificar para derrotar a pandemia? Este será um dos principais debates que se avizinha em alguns países europeus que estão superando o momento mais crítico da doença. A Europa olha para a Ásia para encontrar uma solução tecnológica compatível com seu sistema de valores e que a ajude a recuperar a normalidade. Para isso, alguns governos tomaram como modelo o aplicativo de rastreamento de contágios TraceTogether, usado em Singapura, e que exigirá um uso maciço para ser útil.
O rastreamento de contágios funciona com a tecnologia bluetooth. Os celulares vão registrando códigos que correspondem a outros aparelhos das pessoas com as quais o usuário tem um contato significativo, por exemplo – e isto é algo que cada país determinará –, com quem você passar mais de cinco minutos a menos de três metros. E esse usuário receberá o aviso de que faça um exame ou fique em quarentena se, nos 14 dias seguintes, algum desses contatos notificar um resultado positivo, sem que se revele nem a identidade do infectado nem onde ocorreu o encontro.
O sistema tem dois formatos possíveis, com implicações para a privacidade. No centralizado, as autoridades podem rastrear as identidades, de modo que será preciso confiar em que só usarão esses dados para combater a enfermidade e que se encarregam de avisar aos contatos de quem deu positivo. E o descentralizado, em que o usuário notifica em seu aplicativo que foi infectado e seus contatos recentes ficam sabendo por um sinal enviado a seus celulares. Estes se conectarão periodicamente com um servidor onde são registrados os códigos de quem deu positivo.
O método pode ser muito útil para saber quem pode ter sido contagiado por pacientes assintomáticos. Seu uso deve ser voluntário, os dados são anônimos e o uso do bluetooth é mais respeitoso com a privacidade do que se fosse utilizado o GPS, que traça os lugares pelos quais o usuário passou.
Divergência e desafio
A solução para que esses métodos de rastreamento cheguem a todos os celulares pode vir da inesperada aliança entre Google e Apple, empresas que controlam o sistema operacional de 99% dos celulares (sem contar a China). No início de maio as duas já terão as especificações técnicas preparadas para que cada país possa criar seus aplicativos. E dentro de alguns meses lançarão atualizações dos sistemas operacionais que instalarão esses mecanismos de rastreamento nos telefones dos usuários que aceitarem e que ainda não tiverem baixado os aplicativos. Ambas anunciaram ainda, no final de abril, que será possível desativar o sistema para eliminar o rastro de um contato que se queira manter em segredo.
Segundo diversos especialistas, para aumentar a eficácia do aplicativo ele deveria ser capaz de operar, funcionar ou atuar com outro. Mas há divergências entre os países. O Google e a Apple trabalham num modelo descentralizado, apoiados por Áustria, Suíça, Estônia e Alemanha. A França e o Reino Unido optam por um modelo centralizado. Na Espanha, o debate sobre o modelo está no comitê técnico, que ainda não tomou uma decisão. Caso não seja adotado um protocolo único, há o risco de que os celulares das distintas regiões não se entendam.
O consenso sobre estes pontos inclui não só os especialistas, mas também governos e grandes empresas tecnológicas. Além do desafio técnico, há a necessidade de se garantir aos usuários que os dados compartilhados serão tratados de forma respeitosa, não lhes acarretando prejuízos futuros. O alerta é válido, pois há o risco que esta solução de emergência pode chegar para ficar e daí afetar a privacidade em médio prazo. (com informações de agências de notícias)