Da Redação
População desempregada ou com renda reduzida, sem ‘bicos’ em tempos de distanciamento social. Famílias consumindo menos e empresas reduzindo a produção. No cenário político, muita a confusão política. Tudo isso agrava os efeitos da pandemia do novo coronavírus sobre a economia, gerando ainda mais incerteza sobre quando e se as coisas voltarão ao “normal’.
Vendo o presente, a situação é muito ruim. E isso já fica claro nos dados do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre, divulgados no dia 29 de maio pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para diversos economistas, no entanto, o que é ruim vai ficar pior, principalmente no PIB do segundo trimestre, referentes a abril, maio e junho, justamente na fase mais aguda da pandemia.
O PIB, que representa a soma de todos os bens e serviços finais produzidos pelo país, caiu 1,5% entre janeiro e março, na comparação com o trimestre anterior. Em relação ao mesmo período do ano passado, houve queda de 0,3%. O resultado, segundo o IBGE, marca o menor resultado para o período desde o segundo trimestre de 2015 (-2,1%). Com isso, o PIB está em patamar semelhante ao que se encontrava no segundo trimestre de 2012.
De acordo com a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, a retração da economia foi causada, principalmente, pelo recuo de 1,6% nos serviços, setor que representa 74% do PIB. A indústria também caiu (-1,4%), enquanto a agropecuária cresceu (0,6%). “Aconteceu no Brasil o mesmo que ocorreu em outros países afetados pela pandemia, que foi o recuo nos serviços direcionados às famílias devido ao fechamento dos estabelecimentos. Bens duráveis, veículos, vestuário, salões de beleza, academia, alojamento, alimentação sofreram bastante com o isolamento social”, explica.
Os dados do IBGE mostram que, já no início da crise, houve retração forte de 2% no consumo das famílias. A covid-19 encontrou no Brasil um cenário de vulnerabilidade social: no final de fevereiro, havia um total de 38 milhões de trabalhadores informais e 12,2 milhões de desempregados, que dependiam do trabalho de cada dia para seu sustento.
“Foi o maior recuo [do consumo das famílias] desde a crise de energia elétrica em 2001”, diz Rebeca Palis, acrescentando que o consumo das famílias pesa 65% do PIB. O consumo do governo ficou praticamente estável (0,2%) no primeiro trimestre deste ano, mesmo patamar do último trimestre de 2019.
“Poderia ser menos pior, e poderíamos pensar em um segundo semestre melhor [para a economia] se tivéssemos um momento de mais união política”, diz a economista Silvia Matos, que elabora o boletim macroeconômico do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas. A projeção do Ibre para 2020 é de que o consumo das famílias caia 8%, o investimento seja reduzido em 15,7% e o setor de serviços retraia 4,3%.
Enorme contingente de desempregados
“Janeiro e fevereiro já não tinham sido brilhantes”, concorda o economista Sergio Vale, da Consultoria MB Associados. “Havia toda aquela lenda no final do ano passado de que a economia ia começar a decolar. O governo falou muito disso no terceiro trimestre, quando os números haviam vindo melhores, mas o quarto trimestre foi um banho de água fria e o primeiro trimestre caminhava para isso também. Em 2020, tirando a agricultura e o consumo do governo, praticamente todos os setores terão quedas significativas”.
Nessa triste realidade, o mais provável é que o número de desempregados já tenha começado a aumentar. A aparente redução, de 12,7% no primeiro trimestre de 2019 para 12,2% no mesmo período de 2020, esconde distorções, principalmente o desalento, que, em meio à quarentena, faz muitos desistirem de procurar oportunidades. Assim, a estatística oficial de desemprego só não se elevou mais rapidamente porque menos pessoas procuraram emprego, provavelmente em consequência das medidas de distanciamento social.
O Ibre prevê taxa de desemprego média de 18,7% em 2020, com redução de 3% no número de pessoas que procuram emprego. Uma peculiaridade perversa da crise da pandemia é que, diferentemente do que costuma acontecer em recessões no Brasil, os trabalhadores desempregados não podem recorrer aos ‘bicos’, como a venda de comida ou serviços de construção civil. Desta vez, essa é uma opção muito difícil. Por isso, desta vez, a queda do consumo será tão grande, de acordo com as projeções.
“Agora o efeito é mais devastador no contexto de informalidade, uma vez que o cara não pode procurar emprego. Nem adianta ele ofertar trabalho. Antes ele ofertava trabalho, mesmo com a demanda fraca”, diz Silvia Matos, do Ibre.
A partir dos cálculos do economista Sérgio Vale, não se pode imaginar que a retomada da economia será rápida ou sequer simples. Em uma suposição otimista, ele simula como seria uma retomada em que a atividade da indústria voltasse, em outubro, a 80% do ritmo em que ela estava em fevereiro. “Supondo um resultado cinco vezes melhor do que tivemos nos últimos anos, levaremos cinco anos para voltar ao pré-crise”, prevê Vale.