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No Brasil, golpes financeiros crescem 44% na pandemia

Por Sandro Barros

Em condições normais, perceber um golpe virtual já pode ser difícil. Em situações extraordinárias, como a que o mundo vive hoje, em meio à pandemia da covid-19, fica ainda mais complicado. Essa uma das explicações para o recente aumento de golpes financeiros, já que muitas pessoas estão movimentando suas contas por meio digital. E o número é realmente alarmante: segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), houve um aumento de 44% em golpes que usam nomes de bancos ou instituições financeiras para roubar dados e movimentar dinheiro das vítimas.

A maior parte dos ataques segue o modelo do ‘phishing’, no qual a vítima é induzida a dar suas informações. É isso que torna esse tipo de golpe tão eficaz: em vez de quebrar as camadas de segurança do site ou aplicativo (app), os fraudadores usam táticas para que a própria pessoa revele dados confidenciais – como senhas, número do cartão, e-mail, etc. Assim, eles conseguem ganhar acesso à conta e se passar pelo cliente, ou fazer compras online com o cartão. Esse tipo de golpe é aplicado utilizando diversos meios, especialmente redes sociais, e-mails e SMS (serviço de mensagens curtas) ─ este último caso é conhecido como ‘smishing’.

Mas há ainda os golpes à moda antiga, que utilizam o telefone. Eles são mais ou menos assim: uma pessoa liga dizendo ser do banco, ou de algum outro serviço, e pede a confirmação de alguns dados. Parece seguro, pois, em teoria, é apenas uma confirmação, certo? Acontece que, normalmente, o fraudador tem poucas informações (ou nenhuma) e vai enrolando a vítima para que ela revele mais sem perceber que está sendo enganada. Esse golpe também é chamado de ‘vishing’.

Por que tanta gente cai em golpes online?

Em primeiro lugar, é preciso dizer que cair em golpe não é exclusividade de quem tem pouca experiência com a internet. Bons fraudadores conseguem extrair informações mesmo de quem se julga blindado. Na maioria dos casos de ‘phishing’ bem-sucedidos há um excelente uso de engenharia social, uma tática que manipula a vítima a entregar seus dados – normalmente, dando um senso de urgência à mensagem, fazendo a pessoa sentir que ela tem que tomar decisões rápidas e imediatas.

Um exemplo: imagine que você está endividado e recebe um telefonema dizendo que o banco tem uma condição especial de negociação, mas que só vale naquele momento. Ou que está aguardando a aprovação do auxílio emergencial e chega um e-mail dizendo que você precisa apenas enviar alguns dados para receber o depósito. Ou seja, os fraudadores são habilidosos em identificar oportunidades, seja explorando fragilidades ou pegando carona em temas que estão em alta.

Bancos são coniventes

Seja qual for o tipo de golpe que os criminosos utilizem, o fato é que muita gente está sendo roubada, apesar dos bancos afirmarem que estão atentos e que orientam seus clientes a evitá-los. Entretanto, isso já se comprovou ser insuficiente. E mais: muitos dos seus clientes reclamaram que, mesmo após denunciarem terem sido vítimas desse tipo de crime, os bancos nada fizeram concretamente para ressarci-los ou interromperem a ação dos ladrões.

“À medida que as instituições bancárias têm conhecimento que aquela conta é uma conta de estelionatário, onde pessoas estão depositando dinheiro, de boa fé, porque foram induzidas ao erro pelo estelionatário, cabe ao banco tomar providências, como bloquear a conta, apurar os fatos, informar à delegacia e ajudar quem for lesado a ser ressarcido, fornecendo todos os dados possíveis para que isso possa levar à prisão do criminoso. Como o banco não faz nada disso e, ressalto, tem conhecimento do golpe, ele está sendo conivente. Então, tem que sofrer as consequências também”, explica Ana Cristina Campelo de Lemos Santos, advogada e diretora-geral do Diário do Rio.

Conheça alguns dos golpes mais usados

Golpe do WhatsApp
Os golpistas descobrem o número do celular e o nome da vítima de quem pretendem clonar a conta de WhatsApp. Com essas informações em mãos, os criminosos tentam cadastrar o WhatsApp da vítima nos aparelhos deles. Os fraudadores enviam uma mensagem pelo WhatsApp fingindo ser do Serviço de Atendimento ao Cliente do site de vendas ou da empresa em que a vítima tem cadastro. Eles solicitam o código de segurança, que já foi enviado por SMS pelo aplicativo.

Falso Motoboy
O golpe começa com uma ligação ao cliente, de uma pessoa que se passa por funcionário do banco, e diz que o cartão foi clonado, informando que é preciso bloqueá-lo. Para isso, diz o golpista, bastaria cortá-lo ao meio e pedir um novo pelo atendimento eletrônico. O falso funcionário pede a senha, e fala que, por segurança, um motoboy irá buscar o cartão. O que o cliente não sabe é que, com o cartão cortado ao meio, o chip permanece intacto, e é possível realizar diversas transações.

Troca de cartão
Ao entregar a maquininha para digitar a senha, o bandido se aproveita de alguma distração ou usa algum truque para desviar a atenção do comprador, que, sem perceber, digita a senha no campo de valor. Com isso, aparecem na tela os números digitados e não os asteriscos que deveriam aparecem no campo correto. O golpista consegue, assim, roubar a senha. Ainda aproveitando a falta de atenção, ele troca o cartão e devolve um similar, até do mesmo banco. O consumidor só vai perceber a troca ao tentar usar o cartão novamente.

Golpe da dupla operação
O bandido finge que o cartão não passou na maquininha e alega um problema qualquer do aparelho. Em seguida, ele pega outra maquininha e cobra novamente o valor (o mesmo, ou maior). O truque só é percebido ao se conferir o extrato, que revela o prejuízo.

Falsa central telefônica
Os bandidos ligam, dizem ser da central antifraude do banco e pedem dados confidenciais. Eles podem usar até recursos tecnológicos, como gravações e menus, iguais aos dos bancos para aumentar a confiança da vítima. Com essas informações e a senha fornecida, os criminosos conseguem alterar os bloqueios de segurança utilizados pelo banco, e conseguem, inclusive, limpar a conta bancária alvo do golpe.

Golpe da falsa promoção
A pessoa recebe um e-mail ou mensagem com ofertas tentadoras e atrativas, com links que, na verdade, direcionam para um site falso. Acreditando se tratar de uma página confiável, o consumidor fornece dados sigilosos, como número de cartão e senhas. Com essas informações, o bandido realiza transações, burla bloqueios de segurança, desbloqueia cartões e confirma dados.

Fonte: agências de consultoria financeira e Febraban

Experiências reais e muito desagradáveis

Alexandre de Guaranys

“Os criminosos são extremamente articulados. Eu não perdi dinheiro no golpe, mas sim as pessoas que foram envolvidas a partir de telefonemas. Eu fui apenas o canal para essa lista telefônica, uma vez que eles devem ter visto que eu tenho muitos seguidores no Instagram e no Facebook. Eles tinham até uma mulher que falava com as pessoas como se fosse a minha esposa. Fizeram um estudo de personalidade, utilizando uma linguagem muito próxima da minha para melhor de convencer as vítimas. Teve realmente amigos que depositaram em média R$ 1.500 cada, e é muito difícil que eles recuperem esse dinheiro. Quando eles fizeram contato comigo, acabei ficando desconfiado e, quando percebi, já havia perdido o meu WhatsApp. Foi só aí que eu bloqueei o aplicativo”.
Alexandre de Guaranys, tatuador, Rio de Janeiro

Patrícia Gurgel

“Fui vítima de um site fraudulento, que funciona assim: os golpistas pegam uma empresa idônea e que ainda tem o CNPJ ativo, apesar de estar inoperante há bastante tempo. Criam então um site falso, muito parecido com o verdadeiro, e ali você faz a compra. Então eles pedem para você depositar o valor em uma conta de pessoa física. Após a compra eu investiguei tudo e não achei nada contra a empresa, mas depois acabei descobrindo que já havia denúncia de estelionato. À noite eu entrei em uma página muito boa do Facebook [Sites Fraudulentos do Brasil] e a verdadeira dona da empresa havia acabado de postar uma mensagem falando sobre isso. Fiz então uma ação judicial pedindo o bloqueio imediato da conta. Essa ação muito eficiente, com a juíza deferindo rápido e, no dia seguinte à decisão, eu já estava no banco. Mas o banco, que deveria bloqueá-la imediatamente, demorou 14 dias para fazer isso. Quando isso aconteceu, já não havia mais dinheiro nessa conta usada pelos golpistas”.
Patrícia Gurgel, dermatologista, Rio de Janeiro

Jairo Carneiro

“Um rapaz me telefonou dizendo que eu havia ganhado um ingresso para uma festa vip de uma DJ colega minha. Para confirmar que eu havia recebido a ligação, me pediu para que eu clicasse em um número que ele estava enviando por SMS. Eu, de boa fé, fiz isso. No momento em que cliquei todos os meus dados do WhatsApp sumiram. Daí em diante muitos da minha agenda foram contatados através de mensagens de texto, onde os golpistas pediam em meu nome que fosse depositado dinheiro em certa conta corrente. No dia seguinte eu tentei fazer o boletim de ocorrência via web junto à delegacia de polícia, mas constatei que não havia nenhuma aba que dava acesso para notificar crime cibernético. Acabei indo a quatro delegacias físicas, mas também não tive êxito. Em um delas me disseram que precisariam ficar com o meu celular para investigarem de onde veio a ligação e que, a partir daquele momento, eu seria suspeito do crime. E junto à gerência da agência bancária também ouvi que nada poderia ser feito, apesar de eu informar o número e nome da conta dos golpistas”.
Jairo Carneiro, saxofonista, São Paulo

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