A kombi verde oliva flanava pelas ruas da grande cidade, levando meninos entre oito e doze anos, todos judocas mirins com seus quimonos brancos e faixas brancas, azuis e roxas. Quem conduzia o veículo encantado era um humilde homem de ascendência japonesa, que no alto de seus 1,50 m de altura, era venerado por todos os garotos.
Também pudera! Quando o mestre Getúlio vestia seu uniforme de guerra e amarrava na cintura a faixa preta ornada por inscrições douradas, transformava-se no mais espetacular judoca de toda a cidade. Seus golpes precisos eram conhecidos pelos adversários, mas ele era simplesmente imparável e estava invicto em campeonatos nacionais por 4 anos.
A bordo da kombi por volta das 8 horas da noite, em direção à academia para mais um treino semanal, os dozes meninos se esbaldavam. Falavam ininterruptamente contando o que tinha acontecido durante o dia, enquanto no rádio ouvia-se músicas italianas antigas que mestre Getúlio adorava.
Entre todas as crianças, havia uma particularmente peculiar.
Cabelos cacheados, olhos esverdeados, corpo franzino, mas extremamente inteligente e engraçado.
No entanto, era péssimo judoca. Na verdade, começou a lutar seguindo a recomendação médica para melhorar a asma crônica. No tatame perdia as lutas o mais rapidamente possível para ter tempo livre e ficar papeando com os outros meninos sobre futebol e rock.
Seu nome era Charlie e era o meu grande amigo no judô. Eu frequentava a sua casa e conhecia toda a família, além de irmos juntos aos jogos do São Paulo no estádio do Morumbi, todo final de semana.
A vida das crianças de dez anos de idade é realmente encantada. Ouvíamos entusiasmados os discos do grupo inglês Queen. Comentávamos sobre as garotas mais bonitas do bairro e no final de cada treino, com permissão do sansei, íamos à doceria ao lado e nos empanturrávamos com balas, sorvetes e chocolates.
A kombi verde oliva flanava pelas ruas da grande cidade. Mas o tempo passou muito rápido, envelheci e perdi contato com a turma de jovens samurais.
Quase 40 anos se passaram e eu estava junto à minha esposa e meus 4 filhos, preparando o habitual churrasco do domingo, quando o telefone tocou. Para minha surpresa, era um daqueles garotos de antigamente que havia me encontrado dias atrás no Instagram.
Falamos animadamente sobre os velhos tempos e eu perguntei sobre Charlie, o menino de olhar maroto e cabelos cacheados.
– Poxa cara, você não sabe!
– O Charlie morreu há mais de vinte anos de cirrose hepática. Ele não aguentou o baque por ter perdido a namorada e começou a beber.
Desliguei o telefone, dei uma desculpa à Marisa e aos meus pequenos e me tranquei no quarto para relembrar a infância. Procurei no computador “we are the champions” do Queen. Ouvi a música várias e várias vezes e, quando voltei à sala de estar, tive uma certeza: mesmo cinquentão eu vou voltar ao judô!
Quero que você saiba disso, Charlie: meu regresso e minha primeira vitória nos tatames serão em homenagem à nossa inesquecível amizade.