Jornal DR1

Início e fim… E fim… E início

Tudo o que eu – Ariadne – queria era sair da névoa deste mundo, poder
respirar pela alma as cores da antimatéria, sem nenhum sufocamento de partes de mim cujo simples existir já soaria como uma sentença de
morte – e também o pior – uma sentença de vida; uma vida eivada
pelo sofrimento e insatisfação, pela solidão e abandono, pelo
apodrecimento ingênuo das gerações.

Caso o mito da convivência entre cordeiros, leões e crianças fosse
real – em qualquer parte do planeta – desde já seria uma idéia a
se rejeitar com tudo o que se é. Tais figuras jamais estarão nem neste
e nem em nenhum outro orbe, em verdadeira paz. Mas serão – ou seriam – seres diferentes, cuja fome não se sacia com a carne e o sangue de outros seres, cuja morte que traz explícita em seu código genético – o ADN é a letra de nossa Ária Fúnebre – tão breve e fugaz que não cansa esta humanidade de criar morais para justificar o afastamento ou a proximidade de qualquer coisa que ao menos libere, num milionésimo de segundo cósmico, um odor de eternidade, uma lufada de imortalidade, um sonho de um toque de uma divindade, em si mesma, dentro de um sonho.

As memórias das tantas lutas que perdi… serão sonho? O que é real
no sonho?

Não mais tardarei a lhes contar: estou, agora, em coma. A morte – ao
se aproximar como uma madrinha, sentada ao meu lado num banquinho de praça, se aproxima com o olhar doce e gentil de uma conselheira desconhecida, cuja intimidade suspeitei, num átimo, ser milenar.

A inércia do real me golpeia… sinto-me como um casal sem filhos que
observa uma grande avenida totalmente vazia, sem movimento; os prédios e lojas vazios, a poeira se amontoando, a verdade dissipada; a crueldade do existir compartilhada pelos desertos de pessoas no excesso de coisas.

Sinto uma presença em meio ao temporal; as histórias que ousarei
contar aqui serão guiadas por ele… Adianto que o geniozinho, ou fada
ou entidade – ou eu mesma, no delírio de criação de uma última
personagem – me prometeu que, se o guiasse por essas veredas, sem
perder o fio, teria no final o que tanto quis: a liberação deste
mundo, o ingresso na dimensão ulterior do Planeta Urano, onde há seres que não vivem da morte de outros. Aventuras Uranianas.

Embora não esteja tecendo para ninguém, alguém saberá…na armadilha do sonho, na realidade escolhida… ouvir o silêncio, tecer a palavra.

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