Jornal DR1

O Segredo de Areia

Maria Gorda caminha com os passos que transportam as cortinas para fora do Teatro. Alheia aos três sinais, permanece.

Instiga a percepção do espectador, convidado a ser absorvido e
absorver o mover da trama, imprevisível.

Luz, areia, vento. A cidade, o cinza, o fosco. O mundaréu de gente da cidade, a janela azul onde se encontram  e pra onde transportam quem os vê – Alu Areia e Marcus, sobre o portal das imaginações, das ventanias e das chuvas. As palavras quase não estão lá. A Lua, sim.

O movimento do ônibus, o gás do freio, o espaço invisível onde há o solavanco.  As peças do tabuleiro mágico saem de um lugar a outro, na cena… mudam, transformam-se, fluidos, capazes, velozes, precisos instantes que revelam a beleza da coordenação entre a Literatura, A Cenografia, A Iluminação, A Música; ver o invisível atuando nas laterais, captar o fogo dionisíaco do olhar do artista, retrato móvel de sua paixão que transfere seu corpo para um tempo e um lugar que oscila entre o efêmero e o eterno.

As crianças, meninos, meninas… por entre os becos de suas vidas, em Teresina ou na Cinelândia, ávidas, num lirismo intransigente e dócil, áspero, inquieto e com fome de tudo.

Françoise, em homenagem, como uma Piaf, surge e canta numa visita à cena, como que grata, feliz, presente, ‘olhos que fazem baixar os meus/um riso que se perde em sua boca/aí está o retrato sem retoque’. Sem maquiagem, sem vaidade, sem retoque, Alu Areia menina, detetive, filha, órfã, vidente; vai ao cabaré, vai aprender, desistir não é uma opção, a vida requer de nós coragem.

Kapila entrega seus castelos a Delson; ele, José Dias, Beatriz Parisi, Aurélio de Simoni, Ianara Elisa, Marina Salomon, Victor Losso e Kiko do Valle os elaboram… e o grande elenco da Companhia Janela Azul tornam a areia do sonho, areia de novos sonhos, lama da criação ao misturar-se com o brilho dos olhos, no palco, na plateia, marejados. As palavras… as coisas… unem-se pelo dom da Arte.

Para além da busca pela mãe, Alu Areia encontra-se a si mesma e constrói-se. No caminho, parentes, memórias alheias, um carismático programa de TV, apelidos… o riso – que nunca dura muito – não a distrai… riso que por vezes ilumina, pelas bênçãos das musas, a todos, de uma só vez, em cena.

A plateia aplaude, de pé.  A vida cor de Rosa… de Rosa Kapila. Presente, vai até o palco depois que o segredo, ainda velado, de Areia, se mostra diante das cartas de Tarot. Emociona-se, agradecida. Que venha o filme, que venha a estreia em Teresina. A satisfação está em suas mãos. As palavras desaparecem, porque as palavras se transformaram em tudo.

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