Inspirado na história de Dra Ana Cristina Campelo
Atualmente, sou CEO de um renomado Jornal, escritora, advogada e agente de mudanças, a favor das mulheres, da comunicação, da arte, da cultura, do talento, da humanidade. Dou voz a quem canta e crio encontros; construo caminhos, entre os que podem e os que querem que o Brasil seja a potência que nasceu pra ser; entretanto, surge-me agora uma história de minha adolescência, que venho contar hoje a vocês: espécie de iniciação.
Meu pai sempre foi bastante austero, severo. Daqueles pais que não precisavam bater, um olhar já bastava. Sim, amava-me, como eu a ele… porém, não era pródigo em demonstrações: acreditava ser a excelência de seu legado, como educador, protetor e mestre, das maiores provas de amor que poderia ofertar a uma filha.
Acontece, também, que eu queria aprender, viver, buscar meus caminhos, desbravar horizontes, quebrar certas regras – talvez como muitos adolescentes – e mesmo com a reprimenda de meu pai contra meu gosto por motocross ser uma ameaça imimente… não me reprimi, vivi aquela aventura, mais uma vez.
Certo dia, meu pai chega do trabalho. Sem mais palavras, dirige-se a mim e diz, simplesmente “Vamos”. Seu imperativo era inquestionável. Deveria seguí-lo, não sabia para onde, mas deveria.
Descemos as escadas, minha angústia entalada na garganta, a dúvida calçada em meus passos vacilantes. Atravessamos a rua, bem perto, em direção a um barbeiro.
“Sente-se”, sentenciou papai. E, fitando o barbeiro, segurando um pôster da Elis Regina ( numa clássica época em que seus cabelos eram curtíssimos), disse a ele : “Faça igual”. Tremi. Meus longos cabelos loiros, essência de minha feminilidade, saudáveis vaidade e orgulho… estavam prestes a serem extraídos de mim… conforme as mechas caíam, de apenas um de meus olhos escorreu a mais densa lágrima, grossa, pesada, dolorida… e nela havia até certas tristezas futuras, escorrendo num tempo fora do tempo. A água.
Quieta, resignada, tremia como só adolescentes sabem tremer. Algo tomava conta de mim, algo tremulava. Dentro, fora, em tudo.
– Você vai novamente ao motocross? – disse meu pai, com o hálito dos que se supõe vencedores.
Ígnea, contive-me numa só frase: “Agora que o senhor já mandou cortar, agora que já me puniu, é claro que vou”. O fogo.
Lembro que essa lição me ensinou a não punir minhas filhas, mas apenas sinalizar a punição, num caso de desobediência. Lembro também que aquele dia foi maravilhoso. Eu e a moto éramos uma coisa só e o solo…seu contato era como uma benção. A terra.
O vento… Ele brindava meus curtos cabelos com uma felicidade insuspeita, corria ao meu lado, através de mim; secara a lágrima, acendera novo fogo, fecundava a terra.