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Ars Gratia Artis: Calabouço Infinito

Em meio à luz forte, o humanoide encharcado se ergue. Cego pela claridade, o ser caminha em frente de forma desengonçada e tímida, ajustando sua visão gradualmente para cada passo dado. Uma vez que conseguia enxergar, a criatura se via em um corredor de trajetória circular. Sua estrutura, formada por pedras irregulares que constituem o chão, teto e paredes. A luminosidade, que antes apresentava um caráter místico e angelical, é agora vista como uma fraca chama de uma vela enferrujada no canto do piso rochoso. Sua aparência é familiar para a entidade, que se enfurece pelos sentimentos amargos que o objeto faz aflorar. Ela, porém, não consegue expressar sua insatisfação. Sua consciência se tornou prisioneira de sua própria carne. Nem se lembra por quanto tempo esteve à mercê dos corredores. Tudo o que pode fazer é continuar andando entre os pedregulhos até achar algo diferente; algo que quebre seu ciclo. 

 

Assim, continua o indivíduo torto; tropeçando seus passos em ritmos desconexos apenas para avançar. A luz, que antes o cegava, lentamente se despede de seu campo de visão. A única iluminação presente é a formada por uma fonte desconhecida que atravessa os buracos imperfeitos formados pelos muros de cascalho. Sons dispersos de goteiras ecoam pelo caminho aparentemente interminável. A combinação sensorial, por mais indescritível em termos lógicos, causa e acentua a sensação de sufocamento já existente nessa masmorra; nesse enorme mecanismo de tortura, conceptualizado e criado por mãos inteligentes. A criatura prossegue por voltas e reviravoltas; por subidas e descidas no solo desconfortável e pontiagudo que molhava seus frágeis pés de sangue. 

 

No meio de sua trajetória, seus pensamentos ilegíveis são interrompidos. Diante de seus olhos, algo lhe chamava atenção: uma janela. Do outro lado, o pobre animal consegue finalmente ver com clareza… sem extremos de cegueira causados pela luz ou sua falta. Ele vê as nuvens de um céu limpo; a lua em um belo dia. Estrelas brilhando sem serem vistas; promessas de tudo o que poderia ter sido. A luminosidade fraca do outro lado banha sua pele pálida, trazendo uma sensação de conforto. Mesmo com suas lembranças afetadas, essa visão é imediatamente reconhecida como um eco perdido de sua psique em pedaços. Em desespero, o organismo tenta buscar uma forma de sair pela cavidade enfeitada. Sem perceber a altitude do lugar que estava, porém, entra em queda livre. Ele cai por horas, sem compreender o que está acontecendo. O clarão do Sol reflete na superfície de um lago logo abaixo; um corpo aquoso sendo sua última visão antes do impacto, tudo o que lhe resta é esperar. Esperar o seu corpo ir até o fundo do lago e ressurgir ao lado de fora em meio da potente claridade, que ia se erguendo ao seu lado, uma última vez.

Bernardo Marinho Sampaio

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