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Ars Gratia Artis: Tornar-se o que se é

Não devemos, sobretudo, furtar aos seres humanos talvez aquilo que tenham de mais precioso: tudo que ignoram a seu respeito e a respeito do mundo.  Tudo aquilo que já souberam quando crianças e esqueceram conforme adentravam o mundo adulto.  Se ser diferente dos demais e não estar de acordo com o atual estado de coisas é estar ensandecido, então quem está julgando esta discordância certamente concorda que os dirigentes deste planeta estão administrando muito bem os seus recursos, que poderiam servir a várias humanidades…  Que força histórica misteriosa é essa que faz com que a treva seja perpetrada?  Os homens que se animalizam, que sucumbem aos seus piores instintos; os homens que levam toda a família para uma viagem de luxo em troca da morte, sofrimento, miséria e penúria de centenas de pessoas.

É preciso ainda confiar nas descobertas impossíveis, desconfiar do suposto excesso de objetivismo de tantos símbolos.  Se indagarmos a qualquer um, por exemplo, por que o Sol nasce, fenômeno cotidiano ao qual todos já estão acostumados, o que diriam?  Mesmo se dessem a explicação científica mais qualificada e plausível, mais uma vez poderíamos perguntar: mas por que!?  Ninguém saberia responder sobre uma infinidade de causas que gerou um único e simples efeito, bem como um único e simples efeito, como um copo d’água pode suscitar infinitas causas, perguntas, conjeturas.

Se diante de tanto mistério, o homem moderno permanece com seu ar blasé de superioridade, tédio, insegurança, preocupação e ansiedade é porque foi muito bem adestrado para ser cego, para pensar que o mundo é como lhe ensinaram, para agir como um títere, merecedor de sua justa recompensa.  Teria poder sobre os outros, poderia ostentar com um misto de desprezo e soberbos artigos de exceção diante dos olhares invejosos e famintos daqueles que merecem sofrer com a exploração de seu trabalho para terem o direito de sonhar…

“Sozinho vou agora, meus discípulos! Também vós, ide embora, e sozinhos!

Assim quero eu.  Afastai-vos de mim e defendei-vos de Zaratustra! E, melhor ainda: envergonhai-vos dele! Talvez vos tenha enganado.

O homem do conhecimento não precisa somente amar seus inimigos, precisa também poder odiar seus amigos.

Paga-se mal a um mestre, quando se continua sempre a ser apenas o aluno.  E por que não quereis arrancar a minha coroa de louros?

Ainda não vos havíeis procurado: então me encontrastes.  Assim fazem todos os crentes; por isso importa tão pouco toda a crença.  “Agora vos mando me perderdes e vos encontrardes; e somente quando me tiverdes todos renegados eu retornarei a vós…”.

Friedrich Nietzsche

(Ecce Homo)

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