Jornal DR1

Ars Gratia Artis: Shazam

O cheiro de lixo, podridão, o azedo imundo indefinível que emanava de vários pontos da rua dividia os ares com os aromas de carnes bem temperadas, frituras salteadas, feijões especiais, servidos com as cervejas artesanais e vinhos e sucos inodoros aos transeuntes. Perseguia uma linha reta em meu caminho, na sua extensa calçada. Certo homem veio, do outro lado da rua, colocando-se em linha de choque comigo… no que mudei minha trajetória… e ele mudou, igualmente, novamente se colocando em vias de esbarrar comigo… então, fingi ir para a direita… quando estava me aproximando dele… no que ele mais uma vez imitou a direção… e, sem aviso, repentinamente, peguei a direção oposta, deixando-o aparentemente desnorteado, sem rumo, talvez chateado.

Os pais desta geração parecem perdidos. Buscam ser compreensivos, ao contrário daqueles que os criaram. Buscam cuidar, zelar, proteger… como não foram. Conversar, ouvir, ensinar e aprender… experiência que, julgam, não tiveram durante a infância. Numa atualidade repleta de caminhos e torrentes de informações e ofertas, sentem-se fracos diante das enfermidades da mente, do corpo e da alma… suas e de seus filhos. Percebem-se melhores que seus antigos responsáveis; mas insuficientes; irresponsáveis diante do oferecimento vicioso de felicidades, prazeres, sucessos… prêmios neuroestimulantes inéditos, de intensidades tão poderosas quanto instantâneas… armadilhas (quase) perfeitas para o imperfeito afastamento de si mesmo.

A vontade é ser Beyoncé, ser o Mago das Trevas, o Cristiano Ronaldo, aquela com mais seguidores nas redes (uma Kardashian seria bom); ser o mais novo milionário jovem, o político idolatrado, o profeta desses tempos, o sambista que saiu do nada, o exemplo disto, daquilo… mas eis que são gerentes, entregadores, contadores; trabalham aqui e acolá, sempre ‘ausentes’ (a não ser na hora das cervejas, dos churrascos, das férias… alegrias que se justificam principalmente pela fuga das rotinas). Insatisfeitos por entenderem que não conseguem ser iguais aquilo e àqueles que os entretém… envelhecem; e, mesmo jovens, aguardam sua substituição por alguma Inteligência Artificial, para revoltarem-se e clamarem pela falsa juventude novamente.

Os odores do pútrido comércio, o estranho que parece determinado a esbarrar em você na rua, as distâncias incalculáveis entre pais e filhos, um mundo superficial, cosmético, que apresenta a vontade, mas nega a essência. São questões divergentes, como alçapões, que os levam ao mesmo lugar onde se sentem agora, lendo o título deste texto e o que vai, nele.

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