Jornal DR1

Ars Gratia Artis: Ela

“Uma sombra conversa com a outra:

– Ficou sabendo? ELA Chegará aqui em breve.

– Oh! ELA? Aquela que não tem um nome? ELA mesma?

– Sim. Já falei para as outras ficarem por perto para quando chegar. Será uma ocasião bem especial.

– Vai ser mesmo. Mesmo que já tenha acontecido antes, com outras ELAs e ELEs, eu sempre adoro quando acontece. É como se um novo ser nascesse.

– Espera… fique em silêncio. Está escutando isso? ELA está vindo! Tente conter seu entusiasmo, está bem?

– Não faço promessas…”

A jovem perambula, confusa. Sua visão é invadida por paredes frias de falsas cores. Ainda tomada pelo mistério abrigado em sua mente, ELA vai em frente, trêmula. Seus passos fracos e tímidos a carregam por instinto pelo ambiente desolado. “Eu não deveria estar aqui”, diz para si mesma, aflita. As sombras ao seu redor, tomando vida, verbalizam em canto tumultuado:

-É ELA! É ELA! É ELA!

Os sons contínuos pulsavam o desconforto da moça. Dentre todas as cascatas de perguntas que a inundavam, a que mais reverberava era: “quem é ELA?”. A princípio, parecia uma questão óbvia. É como se a escuridão costurada pelo seu corpo estivesse reagindo a sua presença, porém buscava rejeitá-la. “Não… não sou eu”, pensou a garota. Afinal, jamais seria reconhecida por outros que a vissem. Nunca a atribuiriam um título, por mais simples que fosse. “Até um mero pronome já estaria fora de questão”, contemplava.

A estrutura dos corredores se abre. ELA, antes presa em suas dúvidas, agora é colocada em um imenso salão, manifestado em resposta do seu caminhar. Em seu centro, descansa um velho espelho decadente; parcialmente estilhaçado em mágoa. “Então deve ser aqui que ELA está”, disse, em silêncio. Sem outras opções, a moça alinha sua visão ao objeto dilapidado, enquanto a penumbra assiste com antecipação.

Seus olhos se encontram no reflexo quebrado. O que enxergava era a última imagem que esperaria ter… sua própria aparência. Tanto tempo havia passado desde a época que reconhecia o rosto soldado em sua carne. Ficava surpresa de se ver como uma pessoa novamente, como uma memória viva. Sentimentos intensos escorriam; emoções sem nome. ELA abraça sua face com as mãos, quebrando a expressão perdida em uma de conclusão, marejada.

Após seu entendimento, sangue chove das rachaduras arcaicas do espelho. Aos poucos, o líquido preenche o salão, tornando-o completo de uma vez por todas. Junto das sombras, a jovem, mesmo submersa, sente conforto. “Eu sou alguém. Eu sinto. Eu existo”, refletiu em alívio. Ao permitir se enxergar, disse, em voz alta:

-Sou ela.

Texto de Álvaro Roux Rosa

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