Construção paisagística inaugurada em 1906 foi encomendada pelo prefeito Pereira Passos, em uma tentativa de apagar o passado escravocrata da cidade.
O Cais do Valongo, tombado como patrimônio histórico do Rio de Janeiro, possui uma triste memória: era onde os escravos vindos da África aportavam na cidade e dos que desciam com vida dos navios negreiros ou eram comercializados e vendidos ali mesmo ou finalmente pereciam no cais, vítimas de uma sofrida viagem repleta de flagelos.
Estima-se que mais de 500 mil e um milhão de prisioneiros passaram neste cais. Quando o comércio transatlântico de escravos foi proibido em 1850 pela Lei Eusébio de Queiroz, o cais foi desativado, mas um pouco antes disso seu triste passado sofreu uma pequena tentativa de apagamento, pois foi o local que a princesa Tereza Cristina aportou para se casar com Dom Pedro II, em 1843, tento no nome reformulado para ‘Cais da Imperatriz’.
Não foi o suficiente para apagar a memória funesta do cais. Ainda assim, o prefeito Francisco Pereira Passos estava decidido a dar uma repaginada na cidade no começo do Século XX, não apenas na tentativa de consertar o caos urbano da falta de planejamento, como também querendo apagar a memória escravocrata. Foi preciso fazer um desvio do Cais do Valongo para uma construção criada pela grande reforma do prefeito.
Surgiu então o Jardim Suspenso do Valongo, inaugurado em 1906, localizado no bairro da Saúde, na Rua Camerino. Este jardim fica situado na encosta do Morro da Conceição, outrora conhecido também como Morro do Valongo, foi encomendado por Pereira Passos ao arquiteto-paisagista Luis Rey.
O objetivo do arquiteto e do prefeito era fazer uma réplica dos jardins urbanos de Paris, para trazer um ar mais suntuoso e romântico para a região. A ideia era que o local fosse o ponto de encontro da nobreza, para se fazer passeios no final da tarde. Porém, ignorando que há 200 metros dali era o local onde escravos eram comercializados não fazia nem vinte anos ainda.
O jardim suspenso tinha terraço, passeios, arborização, combustores de gás, depósito de água para irrigação, canteiros e grama, jardim rústico, casa do guarda, depósito de ferramentas e até mesmo uma cascata artificial. Era adornado também com réplicas das estátuas dos deuses greco-romanos Minerva, Marte, Ceres e Mercúrio, que antes enfeitavam o Cais da Imperatriz.
Mesmo sendo muito bonito no auge de suas operações, o Jardim Suspenso do Valongo recebeu críticas sobre a política de apagamento da cultura afro-brasileira no local, um subproduto da Reforma Pereira Passos. Nos dias de hoje, o jardim existe, porém, se encontra mal preservado, mesmo que com organizações da sociedade civil que ocupam dois dos prédios preservados da região, como o Centro Cultural Pequena África, que ocupa a antiga Casa da Guarda.
Em torno do jardim, ainda existem comunidades remanescentes de quilombos da Pedra do Sal e Santo Cristo. O próprio centro cultural promove encontros periódicos e atividades que promovem a preservação da cultura africana, bem como rodas de samba durante os finais de semana.
Para conhecer o Jardim Suspenso do Valongo, a melhor opção é pegar a Linha 1 do VLT e descer na Estação Parada dos Navios e seguir pela Rua Camerino e subir uma rampa aterrada de Pés de Moleque (no qual contamos a história na edição nº 210!)