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A morte e as cambalhotas em Copacabana

Basta que alguma celebridade morra trágica e inesperadamente, para que a comoção tome conta do Brasil inteiro. Acho justíssimo o sofrimento de quem lamenta a perda de uma pessoa importante e única, encravada no mais afetuoso lado esquerdo do peito. Enterrar nossos mortos, com efeito, talvez seja um dos atos mais difíceis e ao mesmo tempo, mais heroicos de nossa condição humana.
Basta, portanto, que lamentemos a morte de alguém conhecido nacionalmente, para que as mídias sociais sejam invadidas por um sem-número de frases doces e acolhedoras que, a despeito de conterem certa veracidade, padecem daquilo que a filosofia chama de truísmos ou Flatus Vocis, banalidades empobrecedoras.
Então lemos no Instagram ou no Facebook, algo como: “a vida é um sopro e, sendo assim, temos que realizar os nossos desejos imediatamente, sem adiarmos por um segundo sequer o beijo na mãe querida, a declaração de amor ao amado ou a sonhada viagem a Paris”.
Ora, o fato de realizarmos nossos desejos aqui e agora, em nada ameniza a temeridade e a ubíqua presença da morte. Posso gritar como um alucinado na rua, dar cambalhotas no calçadão de Copacabana, consumir as guloseimas da tia Marilda até o desfalecimento do fígado, entregar-me a todo tipo de prazer sensorial, beber um tonel de vinho chileno e nada disso afastará a angústia e inevitabilidade da morte em meu coração. “A grande morte que nos habita não sofre de ansiedade porque sempre terá a última palavra”, asseverou o poeta alemão Rilke.
Mas o que os sábios do Ocidente e do Oriente têm a nos dizer sobre a precariedade do ser humano perplexo e solitário diante do colapso inevitável de sua existência? Algo que julgo importantíssimo, pois traz a filosofia e a ciência das religiões a serviço de nosso aperfeiçoamento humano.
Se não podemos vencer a morte, se ela sempre sairá sorridente da luta final, ao menos podemos, com nobreza e coragem, enfrentá-la racionalmente. Os gregos davam o nome de Areté e Mutatis Mutantis, os hindus chamam de Dharma, o processo anímico pelo qual encontramos o nosso lugar no cosmos, a fim de realizarmos o melhor de nosso talento intelectual no dia a dia.
Se você for um balconista de farmácia, por exemplo, apesar do salário baixo e do pouco reconhecimento social, deverá ser o MELHOR e mais preparado balconista da cidade. Atento, prestimoso, profundo conhecedor dos receituários médicos e seus enigmas intraduzíveis. Se você for um vendedor de viagens ao exterior, deverá ser também o MELHOR dos vendedores. Atencioso e educado com os clientes.
Transformar cotidianamente o banal em excepcional, infundindo beleza às nossas simples ações, significa transfigurar a vida, efêmera e contingente, numa obra de arte. E quando a indesejada da gente chegar, como disse o poeta Manuel Bandeira, vai encontrar um ser humano guerreiro, capaz de olhá-la bem no fundo dos olhos e dizer: a vitória é tua como sempre, mas a dignidade e a honra diante do desigual combate foram somente minhas.

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