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Advogados e estresse: sentença perigosa

 

Por: Claudia Mastrange

Roteiros de filmes e de novelas destacam as performances dos advogados nos tribunais. São cenas emocionantes, impactantes e também glamorosas, porém, na vida real, o cotidiano do profissional de advocacia recebe uma sentença pesada: o estresse. É o que mostra o livro “Estresse em Advogados”, editado pela Chiado Brasil e escrito pela professora universitária mestre em Psicologia Social com formação em gerenciamento do estresse pelo International Stress Management Association, Fátima Antunes.

Lançada recentemente, a obra é  resultado do primeiro estudo realizado no Brasil sobre a saúde física e mental dos advogados, que somam cerca de um milhão, de acordo com pesquisa realizada pela Selem, Bertozzi & Consultores Associados, em 2018. Com o apoio da OAB-RJ, foram entrevistados 702 advogados. A pesquisa revelou o alto nível de exaustão dos que se dedicam a defender os direitos do cliente.

“Mas nem todos conseguem assumir que estão adoecendo. A aceitação do problema ocorre somente quando a fragilidade emocional limita as atividades profissionais”, diz em entrevista ao Jornal DR1 Fátima Antunes, casada há 25 anos com um advogado e também à frente do Projeto Viver Direito. Confira a entrevista.

 

JDR1 – Por que escolher o estresse como foco de estudo em sua área de atuação? 

Fátima Antunes – Porque é um fenômeno cada dia mais presente na vida das pessoas.

 

JDR1 – Como decidiu estudar o tema, relacionando ao exercício da profissão de advogado? 

Fátima Antunes –  Convivendo com diversos advogados, percebi que se tratava de um profissão que gera um elevado nível de ansiedade e frustração e que isso muitas vezes adoecia psicologicamente os profissionais. Eles nem sempre se percebem a gravidade dos sintomas e continuam envolvidos em suas atividades profissionais. Negligenciam a vida pessoal e a saúde em função da carreira.

 

JDR1 –  Que sintomas o advogado pode identificar indicativos de estresse e quando já se torna um estágio ‘perigoso’?

Fátima Antunes – Quando o advogado começar a perder a paciência com os clientes, perder audiências e começar a ter dificuldade de memória e concentração deve ligar o sinal de alerta, mas  especialmente quando começar a precisar beber ou tomar remédios para  dormir. Este pode ser um sintoma muito preocupante.

 

JDR1 –  O que você foi identificando durante a pesquisa com 702 indivíduos e o que mais te surpreendeu? 

Fátima Antunes – O que mais me surpreendeu foi o fato de identificar níveis de estresse mais elevados em advogados mais novos e nas mulheres advogadas. Os mais novos tendem a se estressar mais porque não possuem uma vida financeira estabilizada e a as mulheres em função da dupla jornada de casa e trabalho.

 

JDR1 – Em que esse estresse pode influenciar, tanto na vida profissional, quanto na pessoal? 

Fátima Antunes – Na vida pessoal interfere nas relações pessoais, principalmente. Por isso é muito comum você conhecer advogados que tiveram muitos casamentos. Na vida profissional, interfere nas relações com clientes em geral e nos prazos, pois a ansiedade muitas vezes interfere nos pensamentos e na forma como se adapta às condições do trabalho.

 

JDR1 – Explique um pouco mais que, no geral, a  aceitação do problema ocorre somente quando a fragilidade emocional limita as atividades profissionais?

Fátima Antunes – Um profissional da advocacia aprende que só terá sucesso profissional e financeiro se ganhar a causa que esteja sob sua responsabilidade. Por isso, tem dificuldade de aceitar perdas e frustrações. Esta condição acaba por fazer com que eles se sintam fragilizados. Porém eles têm uma enorme dificuldade de assumir suas vulnerabilidades e fragilidades, o que faz com que muitas vezes deixam de cuidar de problemas emocionais, que se transformam em sintomas psicossomáticos e que se agravam cada dia mais pelo não tratamento. Entramos em um ciclo que não termina, pois a cada dia há mais estresse e mais adoecimento.

 

JDR1 ––  No livro você fala sobre armadilhas imposta pelo temperamento desafiador e competitivo do advogado. temperamento alimenta mais o estresse?

Fátima Antunes – Sim, como disse, o advogado é preparado para ganhar, e assim, todas as suas habilidades e comportamentos são reações para se adequar ao melhor resultado profissional. A autocobrança e a necessidade de ganhar sempre para que possa manter a condição financeira e de status profissional, acaba fazendo com que esses profissionais vivam intensamente a profissão. Não raro, ficam 24h por dia pensando ou envolvidos em trabalho.

 

JDR1 –  Em meio a uma pandemia, a situações de estresse se estendem a todas as áreas. Como gerenciar da melhor forma?

Fátima Antunes – A pandemia veio mostrar que as pessoas precisam se reinventar, que ao invés de olhar para os problemas precisam criar soluções. Os fatores estressores são exacerbados pelas características do mindset. Quanto mais uma pessoa é positiva e busca solução, menor será o impacto do estresse na sua vida. A melhor forma de gerenciar o estresse é buscando o autoconhecimento, reconhecer os pontos positivos e negativos e saber como autogerenciá-los no dia a dia. E aprender também a buscar soluções para alguns problemas em que isso é possível.

 

JDR1 –  Conte um pouco mais sobre o projeto Viver Direito.

Fátima Antunes – O projeto viver direito é um trabalho que tem por objetivo melhorar a saúde mental na advocacia. Atendimento psicológico a advogados e outros profissionais da área jurídica, palestras em escritórios de advocacia são ações que pretendem e ajudá-los a entender e conviver com os aspectos da profissão e aprendendo a gerenciar as emoções.

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