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A coruja, mesmo tendo uma rotina consistente e satisfatória, ainda é isolada de todos os outros por escolha própria; para não causar medo pela aparência feroz de sua silhueta intimidadora e ficar escondida de predadores desconhecidos. Como consequência, antigos amigos da floresta e familiares ficaram para trás, até hoje se perguntando sobre seu real destino. A ave, em conflito com toda a possível mágoa e incerteza que causou ao desaparecer, deixa o convite de lado e decide analisar o último material de leitura da noite: o envelope que pegou antes de chegar em casa.
Ele o abre. Dentro, há um trecho de jornal recortado. Sua textura áspera e fria era desagradável, mas qualquer coisa já serviria para que a dor de cabeça de Geoberto passasse. As pequenas e compactas letras eram difíceis de se ler, então colocou seu par de óculos. Uma vez que entendeu o que estava na sua frente, no entanto, os removeu logo em seguida, em choque. Era um obituário. Depois de alguns minutos, ele tenta se recompor para prosseguir sua análise novamente. O texto explicava o trágico caso da morte de um jovem tamanduá-bandeira que ficou preso em um deslizamento de pedras da montanha. De acordo com as informações presentes no papel, morreu dias antes de ser encontrado. Morreu com fome. Com sede. Com dor. No escuro. Sozinho. E tão… jovem. Mais jovem que o leitor, definitivamente.
Mesmo não conhecendo o citado no obituário, Geoberto fica abalado. Seria aquele um cruel lembrete cósmico da injustiça que é a vida? Que todos estarão sujeitos ao valor da chance fatal, sem o nível mínimo de consideração? Ou será que poderia ser apenas a reflexão do sofrimento alheio; uma fração da desgraça impiedosa que passa diariamente e sem julgamento pelo cotidiano de todos os seres? Não sabia dizer. Essa era mais uma incerteza de muitas que tinha; mais uma dúvida para a pilha que formou. Inquieto, se ajeita na cadeira. Sua mente rodopiava, como se nem soubesse o que expressar de fato.
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Continua…
Álvaro Roux Rosa