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Ars Gratia Artis: Não existe ofício desprezível

Um santo varão pediu a Deus que lhe revelasse quem ia ser seu companheiro no Paraíso. A resposta veio em sonhos: “O açougueiro do teu bairro”. O homem afligiu-se sobremaneira por tão vulgar e indouta personagem. Jejuou e tornou a pedir, em oração. O sonho repetiu-se: “O açougueiro do teu bairro”. Chorou o piedoso, rezou e pediu. Novamente visitou-o o sonho: “Na verdade, se não fosses tão piedoso, serias castigado. Que achas de desprezível em um homem cuja conduta desconheces?” Foi ver o açougueiro e perguntou-lhe sobre sua vida. O outro lhe disse que repartia seus ganhos entre os pobres e as necessidades de sua casa, e admitiu que isto muitos faziam; recordou, então, que uma vez resgatara uma prisioneira da soldadesca em troca de uma grande soma de dinheiro. Educou-a e achou que ela era apropriada para que a desse em matrimônio ao seu filho único, quando chegou um jovem forasteiro que se notava estar angustiado e que disse que tinha sonhado que ali se encontrava sua prometida desde criança, aquela que havia sido sequestrada por uns soldados. Sem vacilar, o açougueiro entregou-lhe a jovem. “Verdadeiramente és um homem de Deus”, disse o santo curioso e sonhador. Do fundo de sua alma desejou avistar-se uma vez com Deus para agradecer-lhe em sonho o bom companheiro que lhe havia sido destinado para a eternidade. Deus foi sóbrio: “Não há ofício desprezível, meu amigo”.

Rabí Nisim, Hibbur Yafé Mehayeschua, extraído do ‘Livro dos Sonhos’, de Jorge Luis Borges

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