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Ars Gratia Artis: O ocultamento dos fenômenos circulares*

Nós normalmente não percebemos que nossas cidades em geral e a vida moderna em particular são domínios concebidos para nos afastarem desses fenômenos “imprevistos”, que digamos criam dificuldades para que “determinemos” a priori os nossos fazeres. A vida moderna é uma tentativa de imposição de uma ordem nossa à natureza e, portanto de explicitamente ocultar de nós a dinâmica do Tao. Portanto, não é de se estranhar que tenhamos dificuldades de distingui-las. As ruas são asfaltadas, assim não corremos o risco de atolarmos ou de furarmos o pneu. O relógio, a agenda e as leis organizam a vida social. Animais selvagens não estão soltos por aí a nos causar surpresas, se bem que na falta deles o próprio bicho homem tem se encarregado de providenciá-las. Os nossos automóveis dão partida automaticamente, ninguém precisa empurrá-los ou girar uma manivela até que funcionem. O portão das casas já é eletrônico podemos acioná-lo confortavelmente, sem fazer força ou nos molharmos na chuva. Abrimos a torneira de nossa casa e jorra água, tocamos a descarga do vaso sanitário e tudo funciona, não precisa mais nos preocupar quer com a obtenção de água limpa, quer com os resíduos. Fazemos calçadas e usamos pisos antiderrapantes para não ter que enfrentar poças d’água ou escorregões. Queremos falar com alguém agora, neste instante, usamos o telefone celular e se ele estiver desligado, mesmo assim podemos deixar o nosso recado. No campo, se temos pragas usamos agrotóxicos para eliminá-las e depois se temos doenças por conta disso, ingerimos outros produtos químicos para minimizar o dano. E, assim por diante a lista de comodidades e proteções é interminável, apesar de normalmente nos passar totalmente despercebida.

Mas, a cada mecanismo de controle da natureza que inventamos, o Tao como se fosse uma enchente, onde a água encontra cada brecha pequena e por ali invade nossos mundos protegidos subvertendo-os. Se não fora isso, as pessoas não seriam atingidas por balas perdidas no Rio e em São Paulo, a Ilha de Santa Catarina não teria ficado três dias sem energia elétrica como aconteceu em 2003, o furacão Katrina não teria arrasado Nova Orleans, apesar de seus diques.

Essas práticas podem nos ensinar em primeiro lugar a inutilidade em se proteger do Tao, tentando controlar o incontrolável, mas em segundo lugar nos ensinando a tirar partido do Tao, tirar partido da circularidade, do auto-organizar. Essa é uma condição de efetividade’.

*Trecho da Tese de Doutorado em Engenharia de Produção na UFSC “DESIGN MATRÍZTICO: Design de Artefatos e Ambientes de Conversação como parte do Design dos Domínios do Hominizar Hospedeiros” por Heródoto Bento-DeMello F., Florianópolis 2006

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