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Associação Livre: Do Tinder ad Ghosting a Uberização do amor no tempo das relações de bolso

O amor, assim como a maioria das experiências vivenciadas pelo homem, é uma construção cultural. Enquanto uma elaboração sócio-histórica, o amor sofreu transformações ao longo do tempo. E se, em um dado momento,  as incursões amorosas foram controladas por dispositivos sociopolíticos de modo a manter hierarquias como as de classe, gênero e raça, hoje, no entanto, atravessadas por uma posição política-ideológica voltada para o consumos, elas estão a serviço da auto afirmação e da autorrealização

Indivíduos investidos no cuidado de si, na  busca pela sua “melhor versão”, engajados na corrida desenfreada pela felicidade – sempre atrelada ao sucesso – se lançam em relações fluidas, das quais possam extrair o máximo de prazer e, ao menor indício de desprazer, delas possam prescindir. Afinal, a felicidade prêt-à-porter é vendida em toda parte e com seus imperativos de gozo, rejeitam qualquer mal-estar.

Nessa esteira, os aplicativos de encontro ganham um lugar relevante na dinâmica amorosa contemporânea. As relações de bolso, tomando de empréstimo um termo utilizado por Zygmund Bauman, favorecem um processo de fruição e de flexibilidade dos laços. Imersos no universo virtual, sem sair de casa, o sujeito tem acesso a uma variedade de contatos, e entre match, likes e crushes, suas relações passam a ser otimizadas, uma vez que os insucessos perpassam a lógica da virtualidade e sua descartabilidade, poupando, assim, recursos emocionais que seriam indispensáveis para a manutenção de relacionamentos

Daí decorre a uberização das relações amorosas. Uma vez que para evitação do mal-estar e promoção da felicidade individual é exigido competências afetivas múltiplas e disponibilidade para administrar os sentimentos e potencializar habilidades emocionais, o sujeito contemporâneo se comporta nas relações de acordo com as exigências impostas a ele na sociedade capitalista: como um bom empreendedor de si mesmo.

O resultado dessa dinâmica, entretanto, ao contrário do que se pretende, tem se demonstrado extremamente danoso. O papel cada vez mais preponderante das redes sociais nas relações interpessoais, em geral, tem sido causador de uma onda de insegurança e frustração, além de promover um processo de dessensibilização crescente e o fortalecimento do narcisismo, atrelados à ausência de sentimentos como a empatia, por exemplo.

Nesse contexto, fenômenos como o ghosting, comuns no universo virtual, revelam a fragilidade dos vínculos afetivos, dado que bloquear um contato e desaparecer se torna normal e até desejável do ponto de vista da evitação do desprazer ou da economia de investimento emocional. 

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