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Como um cão em chamas

A dor era intensa e parecia que um falcão faminto devorava suas entranhas. Então, dirigiu-se ao hospital imenso, de mármore branco, alto como uma montanha nevada. O trâmite na recepção foi surpreendentemente ligeiro e recomendou-se como prevenção, a imediata internação. O quarto era o 666 e tinha um aspecto asséptico, limpo, com apenas uma cama no centro e armarinhos laminados perto da porta de entrada.

Depois de duas horas deitado na cama estreita, sentiu uma indescritível angústia no peito e, mesmo com muita dor, resolveu sair daquele mausoléu silencioso e agourento. Tomou o elevador e desceu no térreo, mas ao sair, percebeu que voltara ao mesmo andar do quarto 666. Tentou então subir, mas o fato estranho voltou a acontecer e ele estava de volta ao mesmo lugar da internação.

De repente, um homenzarrão de cor avermelhada e cabelos loiros entrou no quarto, dizendo:

– Amanhã faremos os exames.

Depois se retirou, batendo a porta com estrondo e raiva.

Em cima dos armarinhos havia água e maçãs que curiosamente se recompunham milagrosamente ao final de cada dia. E toda a noite, pontualmente às 20 horas, o gigante vestido com avental branco repetia a ladainha, para depois evadir-se furiosamente:

– Amanhã faremos os exames.

O tempo passou e ele envelheceu. Certo dia, ao invés do homenzarrão, apareceu uma junta médica que rapidamente circundou a cama onde ele se encontrava prostrado e triste. Eram três homens e duas mulheres. Os homens estampavam inscrito no jaleco branco “ditadura do proletariado” e as mulheres tinham bordado em preto os dizeres “eco feminismo”.

Ele reparou que todos os integrantes da junta médica eram pessoas muito altas, beirando os dois metros de altura, apesar de curiosamente terem aspecto infantil. O mais novinho de todos curvou-se diante dele e disse:

– Agora você está velho demais e não adianta mais fazer qualquer exame.

Diante da cena apocalíptica, os demais riram até perder o fôlego e de afogadilho, trouxeram fios desgastados para serem amarrados nos braços e pernas do ancião. Ligaram os cabos a uma geringonça barulhenta e apertaram o botão vermelho. O choque foi devastador e o cheiro de carne queimada espraiou-se pelo gigantesco prédio de mármore branco.

Ao fechar a porta do quarto, pôde-se ouvir de uma ativista com expressão de visível prazer:

– Morre como um cão em chamas!

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