A luz outonal vinda da janela entreaberta espraiava-se pela amplitude da sala de estar, iluminando até mesmo os móveis mais refratários à claridade, como o imenso sofá de couro mobly vindo da Inglaterra, repousando no canto esquerdo do ambiente. No centro uma mesa igualmente robusta refletia a luz fria derramada pela fresta cuidadosamente aberta por mãos humanas ciosas por ventilação e amenidade.
A opulenta e centenária janela, feita de carvalho brasileiro da mais perfeita artesania, convidava-me a lançar os olhos pelas imensidões agrestes do sertão mineiro. E eu de bom grado aceitei o convite, deixando o espírito devanear pelos caminhos azulados das três horas da tarde, quando todos os seres vivos parecem descansar da labuta imposta pelas manhãs tonitruantes de afazeres e compromissos incontornáveis.
Mas, o meu espírito aturdido não buscava repouso nestas paragens de águas plácidas, brotando aqui e ali por entre as pedras calcinadas e agitadas pela ventania das montanhas solitárias de Minas Gerais. Muito pelo contrário. A janela entreaberta emoldurava meus pensamentos como um bloco solente de radículas, enquanto eu buscava, às apalpadelas, encontrar poesia nas ramagens alvejadas pelo calor e que atraíam a atenção de pequenos animais ávidos por um naco, por menor que fosse, da embriaguez da vida oferecida ao observador.
Detive-me então, com mãos curiosas, a investigar melhor a compleição da janela que serpenteava o meu próprio ser. Quantos anos teria a construção esculpida a cortes precisos e matemáticos no carvalho marrom? Quantos seres humanos, matutos ou escorregadiços como eu, teriam se deslumbrado com as paragens bucólicas, eivadas de misteriosos sons emanados dos pássaros, sobretudo os curiós, guaxes e galos-de-campina, multiplicando-se como numa cantata sagrada?
O luzeiro do sol declinava sobre o chão avermelhado e rugoso da sala de estar, mas o cerne do que eu vislumbrava enchia meu intelecto de espanto e muita alegria.
Como é bom constatar a inteligência humana transformando a matéria bruta da natureza, a majestade do carvalho, em algo útil e belo, para dar-nos moradia em um mundo compartilhado por utensílios como aquela janela que descerrava a paisagem.
À terra sempre estamos a voltar desde a aurora dos tempos. Entranhados neste segredo cósmico aprendemos a cultivar pensamentos sublimes, através de olhares curiosos, como era o meu naquele dia de outono em Minas Gerais.
Pela última vez, então, pus as mãos na madeira imponente e nobre, acariciei-lhe os contornos, fitei as fissuras descoloridas do marrom, enfiei o dedo médio numa fratura, numa lasca nascida no decorrer dos anos e ouvi um som profundo nascido do coração das matas virgens do Brasil. Quis, não saberia explicar a fome ingênua, construir uma filosofia nova, um gesto político que refundasse um mundo pleno de luzes, pássaros, utensílios, madeiras maciças.
Fechei a janela que insistia em seduzir o sol muito vagorosamente como num ritual de celebração à divindade tanta vezes esquecida da condição humana.