A Constituição Federal de 1988, também chamada de constituição cidadã, possui singular importância por constituir grande avanço, em âmbito social e civil, na garantia e proteção democrática de direitos políticos contra abusos de natureza autoritária. Em seu artigo primeiro, faz-se menção sobre a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado em todas as suas decisões, a qual deve ser incessantemente buscada, quer seja nas relações nacionais, quer seja nas internacionais. Assim, de modo diverso das constituições anteriores, a constituição em questão não trata o Estado como prioridade para, em seguida, tratar dos direitos dos cidadãos, mas centraliza tal direito como independente de qualquer ideologia de governo.
O novo governo, que assumirá em janeiro próximo, não deverá perder isso de vista. Em particular, se considerarmos o fato de que o novo presidente Lula da Silva, em sua agenda de governo, pretende renovar as relações diplomáticas do Brasil com a China e Venezuela. Em hipótese alguma, tal restabelecimento deve nos exonerar do exercício de um tipo de tutela cívica, na qual, no caso da Venezuela, Lula deve exigir o compromisso com os direitos humanos, particularmente, com relação a presos políticos. Também a China, importante parceira comercial do Brasil, não deve ficar de fora da tutela já que atualmente pode vir a responder sobre crimes contra a humanidade, mais especificamente, contra os uigures, minoria mulçumana que vive na região de Xinjiang, crimes estes que incluem prisões arbitrarias, torturas e estupros. Isso sem mencionar as questões internas do Brasil, as quais dizem respeito, por exemplo, `a morte do ativista, missionário e líder comunitário Uilson de Sã da Silva no último dia 29 e `a ameaça de extinção da comissão de Mortos e desaparecidos, CEMDP, responsável pela busca dos mortos e desaparecidos políticos durante ditadura militar.
Quando Eduardo Galeano (1971) escreveu seu livro sobre a colonização, as ditaduras militares e o genocídio de indígenas na América latina, o Brasil havia perdido sua democracia e, com ela, os direitos políticos mais básicos de seus cidadãos. As vozes que tentaram defendê-los foram caladas pela repressão e violência. Hoje vivemos a democracia em sua plenitude. E diante de tudo que vimos e sofremos, temos o dever moral de nos posicionar contra toda e qualquer forma de infração de direitos humanos no mundo, não importando afinidades ideológicas ou outros interesses.