Por Sandro Barros
Em pronunciamento feito em cadeia nacional, o presidente Jair Bolsonaro, contrariando todas as recomendações da comunidade científica, disse para as pessoas abandonarem a quarentena e retornarem às suas atividades normais. Esse pronunciamento foi feito um dia depois dele sugerir que os trabalhadores ficassem quatro meses sem receber seus salários. Ele foi aplaudido por meia dúzia de mega-empresários, mas foi esmagado pela crítica e pela imensa maioria.
Apesar de ter dito que a pandemia não passa de uma “gripezinha”, Bolsonaro revelava em sua proposta econômica que realidade é bem distinta. Afinal de contas, se fosse somente um caso de pânico promovido pelos veículos de comunicação e por alguns governadores, por que as medidas durariam tantos meses? Mas, inconsequentemente, ele deseja que a população desafie a morte e sequer tenha os recursos necessários para sua sobrevivência em prol dos lucros dos grandes empresários. Em outras palavras, que a corda arrebente primeiro para o lado do mais fraco.
É necessário agir diferente. Para garantir a sobrevivência dos trabalhadores e também o sustento de suas famílias, os governantes terão de investir imensas somas de recursos para barrar a proliferação do Covid-19 e também seus gravíssimos efeitos econômicos e sociais. Já que sustentamos o Estado, não podemos exigir menos. Uma excelente iniciativa seria se o Congresso Nacional fizesse a sua parte nesse enredo, com deputados e senadores abrindo mão de suas mordomias e de uma parte de seus vultosos salários para somar recursos no combate ao vírus ─ somente em 2019, o Legislativo federal custou R$ 10,8 bilhões aos cofres públicos. Se somarmos aí os R$ 2 bilhões orçados em 2020 para o Fundo Eleitoral, já teríamos uma quantia importante para ajudar os mais necessitados.
No caso do governo federal, sabemos que há dinheiro sobrando para fazer esse imenso investimento. Entretanto, para isso acontecer, ele precisará dar fim às despesas trilionárias com os privilégios dos ricos. Esses privilégios são dados de muitas maneiras. Os ricos, por exemplo, não pagam impostos por suas fortunas ou pela herança que recebem. O Brasil cobra muito mais impostos dos pobres. Através de um documento com propostas para o enfrentamento do coronavírus, a Federação Nacional do Fisco (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Anfip), o Instituto de Justiça Fiscal (IFJ) e os Auditores Fiscais Pela Democracia (AFD) afirmam que o Brasil poderia arrecadar R$ 272 bilhões para os cofres públicos se cobrasse impostos sobre dividendos, heranças e grandes fortunas.
‘Suspensão imediata do pagamento dos juros e encargos’
Outra maneira que os ricos utilizam para sugar recursos são as renúncias fiscais. Isso acontece quando governos federal, estaduais e municipais permitem que grandes empresários deixem de pagar impostos obrigatórios, que são embutidos no valor das mercadorias e que já são bancados pelos consumidores. Somente o governo federal permitiu que grandes empresários deixassem de pagar, através dessa renúncia, R$ 306 bilhões em 2019, conforme consta no Orçamento Geral da União.
Porém, a forma mais escandalosa de dar rios de dinheiro para o grande capital, principalmente os banqueiros, é a chamada dívida pública. O pagamento dos juros amortizações dela leva grande parte de todos os recursos que o Brasil produz. Em 2019, ela abocanhou 38% do Produto Interno Bruto (PIB), exatos R$ 1,37 trilhão, o que equivale a R$ 2,8 bilhões por dia. Uma dívida, seja ela externa ou interna, que já se revelou, ao longo das décadas, ser impagável. E, segundo estudos de economistas da Auditoria Cidadã da Dívida, se comprova que essa conta tão cara, que todos nós temos de pagar, é fruto de esquemas de corrupção que transferem dinheiro público para os grandes bancos.
A suspensão do pagamento dessa dívida traria ao Brasil os recursos financeiros necessários para combater o avanço do Covid-19 e para garantir a segurança financeira de todas as pessoas que precisam. Haveria inclusive dinheiro para financiar medidas de suporte às áreas de assistência social, saúde e educação. “Nesse quadro de pandemia de coronavírus, o governo deveria decretar uma completa auditoria da dívida pública, acompanhada da suspensão imediata do pagamento dos juros e encargos, a fim de liberar recursos para investimentos relevantes nessas áreas essenciais à população”, afirma Maria Lucia Fattorelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida Pública.
A população deve cobrar do governo federal que ele escolha o melhor caminho, que é o de fazer com que o capital pague essa conta em benefício das necessidades da maioria. E que ele acabe com a farra da dívida pública, revertendo o valor a ela destinado para o interesse maior do povo brasileiro, priorizando saúde, educação, empregos, saneamento básico e segurança.
MUITO POUCO, OU QUASE NADA
O governo federal apresentou, em 27 de março, mais uma medida para amenizar os efeitos da pandemia de coronavírus. Um novo programa, anunciado por Jair Bolsonaro e pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, prevê um crédito emergencial para financiar as folhas de pagamento de pequenas e médias empresas ─ com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões ao ano ─ durante dois meses. O limite de pagamento para cada funcionário será de dois salários mínimos (R$ 2.090) e a previsão é de que a linha de crédito deverá estar disponível entre uma e duas semanas.
De acordo com Campos Neto, o programa vai disponibilizar, no máximo, R$ 20 bilhões por mês ─ R$ 40 bilhões em dois meses ─ e o dinheiro será pago diretamente na conta do trabalhador, evitando que a empresa eventualmente retenha os recursos. O presidente do BC ressaltou ainda que a empresa que aderir ao programa não poderá demitir os funcionários por dois meses e terá seis meses de carência e 36 meses para pagar o empréstimo, sendo aplicados os juros da taxa básica, a Selic, de 3,75% ao ano.
Segundo o governo, a medida deve beneficiar 1,4 milhão de empresas e um total de 12,2 milhões de pessoas. O anúncio acontece em um momento em que várias empresas começam a relatar dificuldades para conseguir linhas de crédito ou renegociar dívidas com bancos privados, que estão mais cautelosos com o panorama de forte incerteza diante da pandemia.
Ajuste fiscal, apesar da pandemia
A operação do programa será feita em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e bancos privados. De acordo com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, do montante ofertado de R$ 40 bilhões, 75% virão do Tesouro Nacional e outros 15% de bancos privados.
A área econômica mostra que não abre mão da chamada austeridade fiscal mesmo quando anuncia liberação de recursos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou mesmo a dizer, no dia 24 de março, que o país pode gastar R$ 120 bilhões com saúde e emprego, pois esse foi o dinheiro que teria sido economizado no ano passado com juros da dívida interna.
A estreiteza da equipe econômica fica evidente quando se compara os passos miúdos e hesitantes dados pelo Brasil na área fiscal com a corrida de outros países para deter o vírus e impedir uma catástrofe financeira na área da saúde, tanto para as famílias quanto para as empresas.
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