Nova declaração preconceituosa do ministro da Economia gera indignação e é desmentida por economistas
Por Sandro Barros
Sabe aquele momento em que é melhor ficar calado ao invés de falar besteira? Com certeza o ministro da Economia, Paulo Guedes, desconhece esse sábio conselho e vem acumulando declarações estapafúrdias, recheadas de preconceito.
Ele, que já havia chamado servidores públicos de “parasitas”, no dia 7 de fevereiro, quando anunciava ataques aos servidores públicos através da reforma administrativa do governo, voltou à carga dias depois. Ao defender que uma taxa de câmbio mais alta é “boa para todo mundo”, Paulo Guedes disse que o dólar mais barato estava permitindo que “todo mundo” pudesse ir para a Disneylândia, até empregada doméstica.
“Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Vou exportar menos, substituição de importações, turismo, todo mundo indo para a Disneylândia. Empregada doméstica indo pra Disneylândia, uma festa danada. Mas espera aí? Espera aí. Vai passear ali em Foz do Iguaçu, vai ali passear nas praias do Nordeste, está cheio de praia bonita. Vai para Cachoeiro do Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu. Vai passear no Brasil, vai conhecer o Brasil, que está cheio de coisa bonita para ver”, disse Guedes em um seminário em Brasília no dia 12 de fevereiro.
Ao antecipar as críticas que receberia pelo comentário, Guedes tentou se corrigir, afirmando que quis dizer “que o câmbio estava tão barato que todo mundo estava indo para a Disneylândia, até as classes sociais mais baixas”. Ele continuou a emenda, dizendo que “todo mundo quer ir para a Disneylândia”, mas não “três, quatro vezes ao ano”. Não foi suficiente.
Reações várias
Nas redes sociais, empregadas domésticas— e principalmente seus filhos e filhas, mais jovens — criticaram o tom da fala apontando para um viés elitista e questionando o quão realista seria a declaração do ministro.
Pelo Twitter, brasileiros lembraram que, por um lado, qualquer categoria profissional deveria ter o direito de viajar para onde for e, por outro, o quão difícil é para um empregado ou empregada doméstica conseguir juntar dinheiro para uma viagem internacional.
“Causa indignação essa declaração infeliz, mesquinha e escravocrata de um ministro que desrespeita a classe trabalhadora e governa para os ricos”, disse a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luíza Batista Pereira. “Quando uma de nós vai [à Disney], vai acompanhando os patrões, vai como babá, vai para trabalhar. Mal ganhamos para manter nossa famílias, para sustentar nossos filhos”, disse a sindicalista. Segundo ela, o ministro deveria mesmo é se preocupar em incentivar a fiscalização para garantir direitos às trabalhadoras.
As críticas não se limitaram a brasileiros próximos a profissionais domésticos e incluíram pessoas que se apresentam como liberais, de direita, e apoiadores das políticas do ministro. “Sou 100% de direita, mas só tenho uma coisa a dizer. Cala a Boca, Guedes. Todos deveriam poder viajar, seja para Natal, Disney, Europa (…). Todos têm o mesmo direito, seja o empresário ou a empregada, que, diga-se de passagem, é uma profissão digníssima”, afirmou um usuário do Twitter.
Distorção da realidade
Guedes, que apesar de fazer a defesa do turismo interno não seguiu sua própria recomendação e passou parte dos seus dias de descanso em Miami, distorce a realidade quando diz que “todo mundo estava indo à Disneylândia”, inclusive as empregadas domésticas. Economistas mostram que viagens de avião para o exterior ficaram na última posição entre os bens e serviços mais comprados pelos brasileiros durante o período conhecido como “boom da classe C”.
“Só uma minoria viajava ao exterior quando a economia popular bombava”, avalia o economista Marcelo Neri, fundador e diretor do FGV Social, da Fundação Getúlio Vargas, e criador da expressão “nova classe média”.
Entre 2011 e 2014, as prioridades dos brasileiros que entraram no mercado consumidor foram celulares, computadores e carros, segundo dados levantados pela FGV Social, da Fundação Getulio Vargas. Enquanto 38,41% dos brasileiros compraram telefones celulares com acesso à internet no período, apenas 2,15% entraram em aviões para viagens internacionais. Já no topo dos bens e serviços comprados pela primeira vez pelos brasileiros entre 2011 e 2014 estavam casas próprias, motocicletas e cursos profissionalizantes.
“Não tenho nada muito favorável à Disney em particular, mas negar a possibilidade de as pessoas sonharem, neste caso com a viagem ao exterior, é algo muito ruim”, opina Neri. “Quando qualquer pessoa em uma determinada sociedade pode aspirar a isso que está sendo criticado, temos algo positivo. É bom que a pessoa possa realizar seus sonhos, sejam eles quais forem”, pondera o economista.