Jornal DR1

JORNAL DR1

Edições impressas

Entrevista com Samir Murad

Por Alfredo Sampaio

Convidados por Delson Antunes, co-diretor da Peça ‘O cachorro que se recusou a morrer’, escrita, produzida e encenada por Samir Murad, eu e Bernardo Sampaio visitamos pela primeira vez o charmoso Teatro Brigitte
Blair, certos de que veríamos um espetáculo inesquecível. Foi o que aconteceu. Bernardo se dispôs a compor uma crítica, a ser publicada nesta edição; tendo representando o nosso Jornal DR1, fui preparado para entrevistar esse verdadeiro _mawsil *; _ entretanto, o fato daquela ser a última apresentação da temporada, apenas tornou possível a
entrevista que vocês lerão a seguir via perguntas e respostas, enviadas por meio eletrônico. Aproveitem e Salaam Aleikum!

Jornal DR1: Foi dito que a peça é resultado de muitos anos de histórias e planos. Como foi esse processo, como surgiu a ideia e como ela ganhou corpo?
Samir Murad: Quando gravei os áudios do meu pai pouco antes de seu falecimento em 1992, assim como os de minha irmã algum tempo depois, eu não tinha a menor ideia de que um dia os utilizaria como material cênico, queria ter apenas um registro que pensava importante.
Há alguns atrás, comecei a colocar no papel algumas memórias, para mim
significativas, de minha vida e foi então que percebi, que precisava criar uma síntese de determinados acontecimentos que penso, foram definidores de minha trajetória e que reuniam esses três “personagens” (meu pai, minha mãe e minha irmã mais velha) e que intitulei de “minha família espiritual”, pois percebi uma ligação
em um nível de profundidade que só existiu com eles.
Comecei então a escrever um texto que se pretendia teatral, naturalmente com uma dramaturgia nada convencional e que se assemelhava na escrita com meus solos anteriores mas que, eu sabia, teria diferenças pontuais mas contundentes em relação a esses. Fiquei acho que, uns dois anos
montando esse quebra cabeças, até achar que estava razoavelmente pronto para ser lido para mais alguém. Escrevi um projeto e colocamos em alguns editais.
Passada a pandemia, conseguimos ganhar o Edital estadual Retomada Cultural que nos facilitou a iniciativa de reunir um grupo de artistas de Teatro competentes e generosos que toparam trabalhar pelo projeto ganhando valores quase simbólicos.
Corri atrás de um teatro para conjugarmos uma temporada comercial juntamente com as apresentações gratuitas demandadas pelo edital, pois tínhamos um prazo para isso e foi assim que estreamos no dia 06 de janeiro deste ano no Teatro Brigitte Blair.

Jornal DR1: Entramos num novo momento da história política do país. Sabemos que, dentre outras áreas, a Cultura, no governo anterior, sempre foi relegada a terceiro plano. Como foi levar esse projeto em tempos tão sombrios?
Samir Murad: Na verdade os ensaios se deram no último trimestre de 2022, onde já despontava no horizonte, ainda que de forma nublada, as cores de um novo tempo. Com o aperto no coração que todos tivemos ao longo da eleição presidencial, tivemos a felicidade de estrear cinco dias após a posse do novo presidente. Desse ponto de vista de tempos sombrios, foi muito mais árdua a estreia de meu ultimo solo, CICERO-ANARQUIA DE UM CORPO SANTO que estreou em 2019, fez três temporadas com muito esforço durante aquele ano e que não coincidentemente trazia como principal discussão, a nefasta combinação entre política e religião, que nos atingia a nível municipal com um prefeito bispo assim com a nível nacional que foi piorando com o passar do tempo e logo depois veio a pandemia.
No último trimestre de 2022 voltamos a apresentar esse trabalho de forma pontual em teatros, centros culturais e sindicatos e percebemos pelos teor dos debates que sucediam o espetáculo, sua infeliz atualidade.

Jornal DR1: Há distâncias entre você e seu personagem? Quais são elas?
Samir Murad: Acredito que estejam se referindo a esse trabalho em questão que traz singularidades nesse aspecto que diz respeito a personagem. Aforas os pequenos personagens que pululam ao longo da narrativa, dividi em três os segmentos que norteiam o trajeto desse ator-narrador.
Primeiramente temos o caixeiro viajante inspirado em meu pai que fala
com sotaque, com trejeitos típicos. Posso dizer que aqui houve sim, a
construção de uma figura cênica nos moldes mais tradicionais do
que podemos chamar de personagem, Ainda que seja uma figura
afetivamente próxima e talvez por isso mesmo, naturalmente há um
preocupação em desenha-lo com clareza e rigor para apresentá-lo ao
público.
Na segunda parte do espetáculo, ainda que seja assumidamente eu o narrador, me vali do recurso de algumas referências de comediantes para narrar com um colorido irônico algumas passagens tragicamente surreais eu diria, a narrativa.
Então mais uma vez aqui também há um personagem. Talvez a terceira parte, que se refere a minha irmã e aos imigrantes propriamente, seja onde eu de fato esteja mais próximo de mim mesmo, em uma condução mais intimista, tentando contar com a simplicidade e sinceridade possíveis, o final da história. Aqui personagem e ator quase se encontram sem dúvida. Mas ainda assim acredito que na evocação do passado e de seus sentidos, sem perceber criamos recursos cênicos de atuação que sempre nos transformam em algo mais que nós mesmos.

Jornal DR1: Há algo que distinga os imigrantes libaneses de outros imigrantes? O que vê como essencialmente característico do povo libanês? Há, certamente, paralelos com os brasileiros. Fale disso, por favor.
Samir Murad: Acredito que todos os povos tenham suas peculiaridades e a época também dita muito esse modo de comportamento. Por exemplo, houve um grande êxodo de judeus durante a segunda guerra para o Brasil. Meu
pai veio em função de guerras internas e que tinham coligações na Europa ou seja, o país estava em um estado extremamente precário.
Assim como os libaneses, os judeus muitos deles, se tornaram caixeiros viajantes enveredando pelo ramo do comercio de roupas e panos. Isso os aproxima embora sejam muito diferentes essencialmente. Quanto à semelhança com os brasileiros, não sei. Acho que há sim, uma necessidade de adaptação, que os faz se sentirem parte dessa pátria que os acolheu em um momento difícil.
Mas semelhanças propriamente ditas, confesso que não sei. Acho todos os estrangeiros bastante fechados em suas conchas em diferentes níveis, claro. Meu pai ao longo de sua vida, foi o libanês mais brasileiro que conheci, preferindo gastar seu tempo de aposentado bebendo em botequins com brasileiros e relegando um pouco sua origem e os
patrícios. E acho que quanto mais fazia isso, mais revelava o quanto ele não era dessa terra.

Jornal DR1: Quais foram os maiores desafios para montar a peça? E mantê-la em cartaz?
Samir Murad: Os desafios foram sempre de ordem financeira. Juntar as pessoas certas, que tivessem afinidades com o projeto e disponibilidade para o trabalho, ganhando o que foi possível pagar. Acho que tivemos sorte.
Outro desafio foi encontrar pauta, tanto para realizar as apresentações do edital, quanto para uma temporada mais comercial, digamos.
Os teatros públicos abrem esporádicos editais e não poderíamos esperar muito para tentar um para um segundo semestre por exemplo. Mais uma vez tivemos sorte com o Teatro Brigite Blair que está em um momento de revigoramento do resgate de sua história.

Jornal DR1: A peça permanecerá em cartaz? Até quando e onde?
Samir Murad: Temos apresentações no clube ASA com debates com especialistas, nos próximos dias 3,4 e 5 de fevereiro. Na próxima semana, nos dias 9, 10 e 11 faremos três apresentações no Teatro Oscar Niemeyer em Niterói. Devemos voltar em março ao Teatro Brigitte Blair onde devemos ficar até início de abril e outras temporadas devem surgir ao longo do ano que só está começando.

Jornal DR1: Quais são seus projetos em andamento? E nos fale também sobre seus planos futuros. Como podemos acompanhar suas obras?
Samir Murad: Em março começo a gravar uma novela na TV Globo que deve me tomar o ano inteiro. Devemos ainda realizar outra temporada no RJ mais adiante com esse trabalho, além da mencionada acima. No ano que vem pretendo levar esse trabalho para São Paulo, tentando conjuga-lo ainda com Cicero, possivelmente numa mesma temporada. Acho que por enquanto é isso. É só nos acompanhar pelas redes sociais @samir.murad.14 e Facebook Samir Murad. Ney Motta deve continuar nos assessorando.

Confira também

Nosso canal

Solenidade Centenário Casa do Minho