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História e política: “Amar é dar o que não se tem”

Foto: Pixabay

Há quem diga que quem nunca ficou meio borocoxô escutando Marília Mendonça não amou de verdade. Afinal, amar e sofrer é uma combinação tão perfeita que não à toa domina canções, livros, novelas. O que não faltam são desencontros amorosos e amantes chorosos prontos para se deleitarem com aquela história de amor imperfeito que é só sofrimento e identificação. Mas, de onde vem essa ideia de que todos estamos fadados a sofrer por amor?

Revisando a história do amor no Ocidente, é possível perceber as diferentes configurações do amor produzidas ao longo do tempo. É na Grécia Antiga que encontramos o primeiro tratado filosófico sobre o amor: O Banquete de Platão. Nele nos deparamos com a noção do amor como algo Bom, Belo e Verdadeiro; sentimento único, universal e intrínseco à natureza humana, relacionado à permanência e que, portanto, escapa à frivolidade da atração sexual e sentimental.

Chegando à Idade Média, encontramos o amor reproduzido sob a égide do Cristianismo. O amor verdadeiro seria, portanto, um sentimento voltado para algo que transcende a vida mundana e aspira à eternidade. Nessa esteira, o casamento se configurava como espaço a fim da propagação dos filhos de Deus pela constituição da família.

Em resposta a este cenário, surge no séc. XII o amor cortês como uma recusa aos padrões estabelecidos pela Igreja, enfatizando o aspecto do amor-paixão enquanto sofrimento e renúncia ao objeto de desejo. Há, portanto, uma laicização do objeto de amor, onde a mulher, a dama cortejada, entra em cena como objeto do amor idealizado.

Na Modernidade, fundindo elementos das reproduções anteriores, o amor ganha a forma do amor-romântico, um sentimento universal, sem o qual não há felicidade, pré-requisito para realização pessoal e onde não são estabelecidas diferenciações claras entre amor, paixão e atração. isto é, um amor marcado por idealizações, sobretudo de completude. Paradoxalmente, esse amor tende a se manifestar de maneira frívola e efêmera, pois, ancorado em um ideal de perfeição inalcançável, acaba por lançar o sujeito em constante insatisfação e consequente sofrimento.

À procura da metade da laranja o sujeito contemporâneo não percebe que os encontros amorosos se dão como plugs de três pinos que não se encaixam em tomadas de dois furos. É o que demonstra Jacques Lacan, psicanalista francês, quando aponta que o amor não existe sem o desejo e este, por sua vez, não existe sem a falta, visto que não se procura o que já se tem, busca-se a partir de uma falta. Ou seja, a associação inescapável que se faz entre amor e sofrimento na atualidade se dá por essa constante negação da incompletude dos laços amorosos. Afinal, o amor não funciona como um bloco de encaixe, e sim como exercício de respeito à alteridade.

Carolina Rodrigues Ribeiro
Graduada em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e pós-graduada em Ciência Política pela Universidade Cândido Mendes.

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