Os olhos se abrem lentamente no raiar da manhã como têm feito há mais de cinquenta anos.
E são ainda esperançosos ( como não sê-lo?) e vibram com a luz, fronteiriça, dando forma aos objetos variados espalhados à sombra de minhas mãos preguiçosas que tateiam no espaço entre a cortina escura e a cama de dormir.
O milagre se renova a cada dia nascente mas pouca atenção damos a ele, ao contrário, nada percebemos do maravilhamento do que poderia simplesmente nunca ter acontecido…
E assim o sol entra pela janela agora entreaberta e o clarão luminoso incide sobre o rosto engordurado pelo suor da noite entrecortada por misteriosos sonhos.
De nada adiante querer analisá-los, eles jamais se deixam domesticar por reflexões psicológicas ou o quer que seja.
Mas o dia floresce agora e sempre de novo e de novo e de novo.
Sinto uma estranha vontade de agradecer às formas sibilinas que vão se desnudando diante de meu corpo.
Agradecer às coisas e também aos meus mortos porque pertence a eles esta ingente capacidade de memorizar cada pedacinho de vida transcorrida no rio de águas encantadas e sofridas que ora deságuam nos meus olhos que despertam…