A mãe do rapaz de dezessete anos já havia me procurado na semana anterior, mas não tinha me encontrado no escritório da universidade. Desta vez, pude atendê-la.
– Como vai?
– Tudo bem e o senhor?
– Bem, vou direto ao assunto porque sei o quanto o professor é ocupado. O negócio é o seguinte: tenho um filho adolescente, o Marley, e me preocupo muito com ele. Recentemente teve uma forte depressão, tomou inúmeros remédios, frequentou vários psiquiatras, fez terapias de todos os tipos e a melhora parece cada vez mais distante. Isto me assusta um bocado.
– Eu gostaria, professor, que o senhor conversasse com ele. Basta uma horinha apenas, não vai tomar demasiadamente o seu tempo. A professora Cláudia Mariana recomendou muito o senhor, por causa de seu doutorado em Ciência da Religião e suas aulas sobre mística comparada. Ah, professor! Eu temo que o problema do meu filho seja realmente de ordem espiritual.
Olhei com serenidade a jovem senhora de uns 40 anos de idade e ponderei:
– Eu agradeço o elogio e a confiança, mas não posso ajudá-la, infelizmente. Não sou terapeuta, jamais curei alguém de absolutamente nada e creio que minhas pesquisas em religião não poderão auxiliar a depressão de seu filho.
A despeito de minha peremptória recusa, uma semana mais tarde eu estava na casa do rapaz. Fiquei esperando na sala de estar daquela casa enorme, mobiliada de maneira riquíssima, quando Marley apareceu apresentado pela mãe. Propus imediatamente um passeio pelas belas e arborizadas ruas do bairro.
– Você sabia que Aristóteles adorava caminhar com seus alunos, ensinando filosofia e a este hábito dava o nome de peripatetismo?
Marley me olhou de soslaio demostrando pouco interesse, o que me obrigou a ser direto também.
– Muito bem, meu rapaz. Faça quantas perguntas quiser e eu tentarei responder a todas elas da melhor maneira possível, ok?
– Minha mãe deve ter dito que eu sofro de depressão, mas ela, como sempre, está enganada. Na verdade, eu não suporto a hipocrisia e a mentira do mundo, sabe professor? Por que as pessoas são assim, tão falsas?
– Porque somos mendigos de afetos e no fundo de nossas consciências atormentadas, nos sentimos inseguros e solitários. Mentimos e trapaceamos por conta de nosso egoísmo atávico, Jesus e Buda desprezavam o homem que se acha senhor de si mesmo.
– E quanto ao amor? O que é o amor, professor?
– Sabe quando você gosta muito de uma pessoa e não consegue imaginar a vida sem ela? E é capaz de dar a sua própria vida para que ela viva eternamente? A isto Santo Tomás de Aquino deu o nome de amor.
Depois de um longo silêncio e já na frente da suntuosa casa, Marley e eu nos despedimos. Nunca mais vi aquele jovem franzino de cabelos negros.
Mas há cerca de 2 semanas, recebi o seguinte email:
“Caro professor, acho que o senhor não se lembra mais de mim, mas em todo o caso, eu sou o Marley, aquele que todos achavam que sofria de depressão. Até hoje lembro da nossa conversa perto de casa. Mas para ser sincero, não me recordo bem das respostas que o senhor deu às minhas perguntas (devem ter sido muito eruditas).
O importante para mim naquela tarde foi o senhor ter conversado comigo como se eu fosse um homem adulto e não um débil mental, entende? Hoje, por sua influência, sou doutor em Ciência da Religião pela universidade de Frankfurt.
Que o amor lhe acompanhe sempre na jornada pela vida, querido professor.