No ambiente, febricitante de atividades de D. Maurina, não se discutia modas, mas o preço do papel. Não se falava sobre a grã-finagem da qual ela pertencia, mas se discutia política, finanças, metas dos Presidentes da República, inflação, conquistas siderais, saúde, Era o universo da vida íntima de um órgão de imprensa, com os assuntos sendo examinados friamente, sem ternura e sem emoção, considerados apenas como notícias. E a Condessa Pereira Carneiro se sentia feliz, sendo o centro e a razão de ser daquele apaixonante microcosmo.
Nos raros momentos de devaneio da Condessa Pereira Carneiro, entretanto, contemplando habitualmente o retrato do falecido e ilustre marido que pendia da parede, mesmo por cima da sua mesa de trabalho, ela havia de se recordar, com saudade, do tempo passado e glorioso de sua vida como locomotiva social. Da Europa que conhecia, de ponta a ponta. Das excursões pelas ruínas gregas. Dos lagos da Itália. Do conhecimento pessoal que fez de Kemal Pachá, nos anos gloriosos da revolução turca. Tudo distante e quase esquecido já nos anos 1950 e 1960. Mas, diante dos seus olhos, a realidade atual não lhe era de forma alguma decepcionante. Afinal, ela atirou-se numa aventura arriscada e venceu. E o seu orgulho íntimo era satisfeito porque D. Maurina soube corresponder à confiança que nela depositou o marido, ao pedir-lhe que fosse a continuadora de sua obra. Em contrapartida continuava a ser a mesma mulher elegante de sempre e constantemente era marcada por esse adjetivo. Por exemplo, no casamento de Luís Fernando, filho do Senador Vitorino Freire, na Igreja da Candelária em 1961, foi elogiada publicamente por sua elegância na presença de dois ex-Presidentes da República, Marechal Eurico Gaspar Dutra e Juscelino Kubitschek de Oliveira; o que também ocorreria, naquele mesmo ano, no casamento de Maria Elisa, filha do Governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto, o banqueiro dos banqueiros.
Em 1960, na Embaixada da Itália, o Encarregado de Negócios, Carlo Enrico Giglioli, entregava a alguns jornalistas cariocas as insígnias da Ordem do Mérito da República Italiana com que os agraciou o Governo da Itália. A Condessa Pereira Carneiro, como diretora do “Jornal do Brasil”, recebia a honraria no grau de comendadora. Em 1963, a Condessa Pereira Carneiro, ao lado de personalidades da vida intelectual brasileira, como o prof. Austregésilo de Athayde, o Dr. Luís Ferreira Guimarães e o Dr. Ivo Arruda, foram condecorados pela República Federal da Alemanha e as condecorações entregues a eles pelo Embaixador Gebhard Seelos. No ano seguinte, numa feliz sugestão da Condessa, o “Jornal do Brasil” e da sua estação de rádio, que já vinham premiando há quatro anos os melhores compositores brasileiros, D. Maurina entregou o prêmio a Tom Jobim. Baden Powell, Billy Blanco, Vinícius de Morais e outros foram premiados. Na crise de 31 de março de 1964, desconhecendo como toda a cidade o rumo imediato dos acontecimentos nacionais, o JB fervilhava. Em seu gabinete, a Condessa Pereira Carneiro permanecia atenta. Ao primeiro sinal de revolução ela deixou a residência e foi colocar-se na primeira linha de seu jornal. Não se escondeu ou fugiu de suas responsabilidades. Os ânimos esquentavam e pela tardinha um grupo de fuzileiros invadia o prédio, poucos (nem eles) sabiam ao certo a que interesses serviam. Tensão e angústia. Toda a direção, presente, insistia para que a Condessa se retirasse. O carinho inverteu as tradicionais regras da empresa capitalista, pois também redatores, repórteres e gráficos não mais apelavam: ordenavam à Condessa que não permanecesse lá. Ela não se dá por vencida, cede à imposição mas aplica um golpe: vai de andar em andar, correndo as salas e cumprimentando a todos. Nisso leva mais de duas horas, e ao sair comenta: “- Apesar de tudo consegui ficar mais um pouco aqui”. Esse episódio dava a conta de como ela era querida no jornal, pois todos o repetiam, quando recordavam os idos de março. Deixando os problemas jornalísticos para a direção ela não descuidava da empresa como um todo.