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Muitas Grécias

Antes da Era Presente, na última vez que os humanos tiveram entre eles um deus, caminhando entre eles, parte de seu cotidiano;  um deus que habitava, não que era intuído;  um deus que se alimentava, não que recebia libações;  um deus que se via, não que se esperava ou que se revelava em sonhos… na última vez que tiveram entre vocês um deus… um deus que caminhava, que pisava, que falava… sei que vocês imaginam o pretenso privilégio, o grande prêmio que essa humanidade parece ter recebido pela graça dessa convivência.  É dado que a ignorância que assola esta Era impede a maioria dos mortais de enxergar o que fariam se convivessem com uma divindade… as implicações dessa convivência poderiam ser piores do que o motivo desta história.

É sabido e sem disfarce, divulgado e espargido como a poeira alquímica mais cobiçada, que existem muitos Tempos; que há infinitos adiante, no futuro – bem como outro infinito, para trás, no passado.  Que houve infinitas humanidades.  É sabido e não há quem duvide que houve tal número de existências, que houve tal número de humanidades e de homens, que o casamento deste número com o vazio fez nascer a Deusa  Memória, criadora magnífica; títere luminoso pelas galáxias sem fim.

Já foi dito que a humanidade é um evento: ocorre quando há condições favoráveis para tal, assim como qualquer outro evento na Natureza; e tal não é percebido pelo homem, que, em sua pequenez e grande empáfia, tem nublada a sua consciência, que dorme e mergulha em abismos de vaidade, de ilusões religiosas, ateístas: em brinquedos que cria para se afeiçoar à sua morte.

Numa das Grécias, onde os deuses andavam entre os homens;  onde os deuses eram pequenos mas intensos focos de luz que guiavam, amparavam e davam esperança… numa das Grécias, lá estava o último dos deuses que, por muitos éons, viveria entre os homens… o deus, porém, fora exigido em toda a sua glória. Fora conspurcado, vilipendiado… a ambição humana era sem limites… e os homens o queriam seu escravo… queriam violações às leis naturais… queriam riquezas, não aceitavam revezes se alguém os pudesse evitar… exigiam interferências na natureza, demandavam a poderosa mão sobre o mares e os céus… imploravam por amor e misericórdia; e o perdão infinito que jorrava do coração do último deus entre os humanos era o álibi para o cometimento dos crimes mais atrozes.  E ele passou a nutrir estranha desesperança, embora não parecesse desistir.  Ainda tentou ensinar lições, evidenciar em explosões de beleza o poder que deveria ser fácil alcançar, pelos mortais.

Ele passou a ser desprezado, tornou-se um incômodo.  Ele era real, portanto não agradava a imaginação romântica que idealiza, multiplicando concepções da perfeição de si mesma.  Suas maravilhas já não espantavam ninguém. Talvez fosse lucrativo para algum bom comerciante.

Enclausurado por vontade própria, sua luz oscilante, projetou um poema na rocha da parede que admirava, na qual se transformou.

E, em muitas Grécias adiante no tempo, da memória acerca de tudo isso, restaram apenas palavras.

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