Por Claudia Mastrange
As medidas restritivas definidas pelos governos estadual e municipal no Rio estão longe de mostrar os resultados positivos tão urgentes e necessários nessa pandemia. No momento em que o Rio enfrenta o pior dos cenários em termos de contaminação e mortes – com recorde de 387 óbitos no estado em 24 horas, registrado no dia 1º de março – as decisões tomadas em meio a um impasse entremeado por interesses políticos ficaram com sua execução no meio do caminho. E ainda abrem brechas para o abuso de autoridade.
Comércio de rua, shoppings e instituições públicas fechadas, mas bancos abertos. Praias mais vazias, mas o transporte público lotado, como sempre. E pior: inicialmente houve absurda diminuição da frota, sendo que boa parte da população precisava seguir sua rotina de trabalho, já que a indústrias e empresas em delivery, por exemplo, continuam com suas atividades. Já o tiozinho que vende bananas em sua banquinha de caixote não pode tirar seu já escasso sustento e ainda corre o risco de ser autuado,
Em meio a muito conflito de informações – já que o estado optou por um decreto mais flexível (como manter comércio aberto, por exemplo) e a prefeitura determinou medidas mais rígidas – unida ao comportamento inconsequente e que muitos já vinham adotando, como circular sem máscara, a prefeitura fez mais de 6 mil autuações e interditou 58 estabelecimentos por descumprirem as medidas de prevenção. O balanço foi divulgado pela Secretaria Municipal de Ordem Pública.
Entre as irregularidades, estão multas e interdições a estabelecimentos, infrações sanitárias, multas de trânsito, reboques e apreensões de mercadorias. Além dos estabelecimentos interditados, houve 432 casos de multa contra bares, restaurantes ou vendedores ambulantes.
Somente no último dia 31 de março, foram dez estabelecimentos fechados e 61 multas aplicadas. O total de autuações em um dia chegou a 1.031.
Publicado no Diário Oficial em 22 de março, o decreto nº 48.644 estabeleceu o fechamento dos serviços não essenciais por dez dias, contados a partir de 26 de março. Em 2 de abril, o prefeito Eduardo Paes anunciou que as restrições continuam valendo até o dia 9 de abril. Apenas escolas, municipais e particulares, estavamo autorizadas a retomar sua atividades presenciais. No entanto, decisão do Tribunal de Justiça, divulgada no domingo (04/04) manteve as aulas suspensas. O secretário municipal de Educação, Renan Ferreirinha informou que vai recorrer. Ou seja: mais um impasse para o cidadão dar conta.
Até o dia 9, então abril, bares e restaurantes podem funcionar apenas com entregas em domicílio e nos sistemas take away e drive-thru. Além disso, segue proibida a permanência na areia das praias, o estacionamento em toda a orla marítima e a entrada de ônibus de fretamento no município.
Desde o primeiro dia de validade para as medidas de restrição,no entanto, as aglomerações continuaram acontecendo. Rio e Niterói registraram aglomerações nos terminais rodoviários e nas principais estações do BRT. Na manhã da segunda-feira (29), quarto dia de decreto, os passageiros reclamavam da demora dos ônibus que saíam da zona oeste e seguiam para a região do centro da cidade. No BRT, os usuários reclamavam das longas filas que se formavam nas estações.
No Terminal de Madureira, na zona norte do Rio, o tempo de espera chegou a ser mais de 30 minutos, segundo passageiros. Havia demora de chegada dos articulados do corredor e os poucos ônibus que chegavam saíam do terminal lotados e com muitos passageiros sem máscara.
Nos trens, segundo a SuperVia, os passageiros tiveram algum alívio, pois, no pico matinal, até as 9h, a concessionária registrou queda de 32,1% de clientes em relação à segunda-feira passada, no mesmo período. O percentual, segundo a SuperVia, representa cerca de 36 mil passageiros a menos no sistema.
O MetrôRio também informou, o dia 29, ter registrado redução no fluxo de passageiros nas linhas 1, 2 e 4 de 72% no horário da manhã. Isso em comparação com o dia da semana equivalente de uma operação regular, quando não havia pandemia. De acordo com o Metrô Rio não houve redução da frota, que mantém nos horários de pico os mesmos intervalos praticados no período pré-pandemia, apesar da redução da demanda diária de passageiros.
Ônibus com 40% da frota em funcionamento: fora de lógica
Ao logo da semana, porém, era visível que, enquanto órgãos fundamentais como a instâncias de Justiça ficaram sem funcionamento e comerciantes amargavam prejuízos – alguns tentando driblar as determinações e abrindo à meia porta- , o transporte continuou sendo o calcanhar de Aquiles e segue fora do controle das autoridades. Até porque, foi um contrassenso autorizar o funcionamento de apenas 40% da frota de ônibus.
Os empresários alegaram prejuízo para diminuir os carros em circulação. Mas o fato é que muita gente continuou trabalhando nesses dias. E agora, diante das imagens amplamente divulgadas pela imprensa e quase no fim da pausa, a prefeitura anunciou que a frota aumentaria para 80%. Em Niterói a Justiça determinou que a frota operasse integralmente.
Na prática, ao longo da semana muito pouco havia mudado, enquanto a fila de espera nas UTIs segue aumentando. A imprensa flagrou muita gente nas praias, como a do Vidigal, onde banhistas jogavam altinho na beira do mar. Em Pilares, na Zona Norte da cidade, o comércio estava aberto. No Terminal Alvorada, os ônibus saíam lotados e as filas nos pontos de ônibus eram longas em bairros como Del Castilho, na Zona Norte da cidade.
Agora, as medidas são estendidas, mas as escolas vão voltar a funcionar, e certamente o fluxo de pessoas nas ruas aumentará. Por tudo isso, as medidas restritivas se tornaram um grande ponto facultativo que só favoreceu ao funcionário público e prejudicou a grande maioria dos trabalhadores. Ou o lockdown é completo e engloba tudo, ou torna-se inútil, não é eficaz. Mais uma bola fora das autoridades públicas.
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