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O Mal-estar na atualidade

Nos corredores dos shoppings centers, consumidores transitam de olho nas vitrines, atrás da última tendência. Nas academias, sempre lotadas, o sonho do corpo ideal, em alta entre os influenciadores fitness
da internet. Nas redes sociais, o sucesso é um imperativo e, longe de ser um resultante de múltiplos fatores, é uma simples combinação de esforço e determinação – vociferam os coaches badalados do instagram. Para todo lado que se olha, promessas de felicidade ininterrupta, vida dos sonhos, conto de fadas. Alheios à humanidade
que nos constitui, parece que todos estamos em uma batalha por tamponar as faltas, os furos, os vazios (tão necessários), seguindo o caminho utópico da completude, cujo o destino não é outro senão um
mal-estar sem fim.

De acordo com o psicanalista francês Jacques Lacan, a entrada do sujeito na esfera discursiva, ou seja, no campo do simbólico, implica em uma perda estrutural que constitui o ser falante como faltante. Dito
de outra forma, quando tivemos que expressar, além do balbucio e do grito, o nosso desejo diante do mundo, a impossibilidade de encontrarmos uma representação para tal, atou o desejo à falta. E é esse desejo, sempre faltante, que nos põe em movimento. Nas sábias palavras de Rubem Alves: “é no vazio do jarro que se colocam flores”. Embora soe um paradoxo, é o vazio o que nos constitui como sujeitos do desejo.

Desta forma, a inscrição do sujeito na cultura se dá pela assimilação
de preceitos éticos e morais, que servem para estabelecer limites às nossas forças pulsionais. Isto é, o processo de subjetivação depende do “controle” das nossas pulsões no campo das representações simbólicas, do reconhecimento de que somos sujeitos faltantes e de que, por isso, existe um limite à satisfação de nossas demandas. Entretanto, o que se
percebe é que, indo na contramão dessa lógica, a falta de limites característica da sociedade capitalista contemporânea vem representando um risco no desenvolvimento dos sujeitos na sociedade.

O capitalismo se apropria e incentiva a produção e consumo compulsivos de objetos, ignorando a barra à satisfação total do desejo e alimentando uma ilusão de completude. Nesta esteira, há uma ascensão do objeto em detrimento do sujeito, que os coloca à mercê de um novo tipo de mal-estar, específico da atualidade.

Percebemos que, na antiga sociedade disciplinar, os sintomas surgiam do conflito existente entre as demandas pulsionais e a censura advinda das normas de socialização. O sofrimento psíquico, nesse sentido, surgia em resposta à polaridade conflitual do indivíduo, marcada pela repressão. Na atualidade, o modelo disciplinar cede lugar a normas que
incitam à iniciativa pessoal. As ações do indivíduo passam da permissão social à flexibilização das leis – para que haja cada vez mais consumo -, o que resulta no imperativo às demandas de desempenho e alta performance – para que o sujeito dê conta de produzir e consumir-, levando-o a “patologias da insuficiência”, como a depressão, a ansiedade, o esgotamento e as compulsões.

O que se evidencia é que, por se tratar de um movimento ininterrupto, já que o capitalismo se engendra a partir desse mecanismo de oferta e demanda para um mesmo sujeito, há implosão (por esgotamento)
no corpo desse sujeito – em forma de sintomas específicos desta época – e explosão para fora desse sujeito, destinado ao outro – em forma de atos de violência e agressividade. Ambos incorrendo em um processo de dessubjetivação.

Em suma, torna-se cada vez mais notório que a redução dos sujeitos à consumidores, reificando o objeto em detrimento do ser, representa a causa do mal-estar na contemporaneidade. Patologias da insuficiência
e violência são, portanto, os sintomas de um mal que parece irremediável, o sistema capitalista e sua negação da falta.

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