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ONG Afrotribo leva educação e cultura a jovens carentes e atua na valorização da autoestima de negros

“Há 15 anos, eu fui vítima de um racismo muito grande. Então, a partir disso, eu tinha duas opções: ou entrava em depressão, ou usava isso para dar a volta por cima e transformar a realidade em algo bom. Fiquei meses abatida, mas depois eu decidi empoderar, trabalhar jovens em comunidades carentes, jovens negros, para enfrentarem o racismo, para combater o racismo estrutural que, infelizmente, está no nosso dia a dia. E foi aí que a ONG surgiu”. É assim que Paula Tanga, presidente da Afrotribo descreve o objetivo da organização sem fins lucrativos que atua hoje na valorização da autoestima de negros de comunidades carentes do Leste fluminense.

A ONG leva educação e cultura para crianças, adultos e idosos – gente esquecida pelo poder público – de municípios como São Gonçalo, Niterói, Itaboraí e Maricá. Somente crianças, são 150 atendidas atualmente. Nos espaços conseguidos com muito suor pela ONG, junto a prefeituras, elas têm aulas de reforço escolar, música, dança, grafite, leitura, línguas, entre outros, administradas por professores voluntários. Crianças e jovens também fazem cursos de modelo e manequim e participam de desfiles de moda, como forma de valorizar a beleza e a autoestima – somente em São Gonçalo, já foram realizados mais de 90 desfiles.

 

“São crianças bem carentes. Tem criança que está aprendendo a ler e escrever aqui, nas nossas aulas de reforço. Tem criança de 7 e 9 anos que nem sabe escrever o nome. Então, a situação delas é bem precária. Se não fosse a ONG, eu acho que essas crianças estariam por aí abandonadas, largadas. A ONG está dando esse apoio, e elas não querem sair daqui. Tem criança que assiste aula de manhã e quer assistir de tarde também. Fazemos também”, diz Paula.

Por causa da pandemia, as crianças foram divididas em dois grupos, que assistem às aulas em turnos opostos, para evitar aglomerações.

Crianças têm aulas de reforço na ONG. (Foto: Alan Alves)

“Elas não estão tendo aulas [nas escolas municipais], porque colocaram as aulas online agora na pandemia, mas elas não têm acesso a internet. Como vão assistir as aulas assim? Somente aqui na ONG é que elas podem continuar estudando. São crianças muito largadas e a gente acolheu. Temos licença do CMDCA [Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente] para trabalhar com crianças, e a função de uma ONG é essa: chagar onde o poder público não chega. E a gente chega, tem acesso, a comunidade abraçou a gente”, diz a presidente.

Os pais das crianças também atuam como voluntários e são beneficiados pela ONG. “As mães vêm para cá e ajudam a gente. Como não temos funcionários, elas vêm pra ajudar a gente, porque isso está fazendo bem para os filhos delas. E também fazemos um trabalho com esses pais. Temos curso de trança, empreendedorismo, para auxiliar a renda deles. Iniciamos também curso de drenagem linfática, para que possam ter renda na pandemia, já que quase não conseguem trabalhar. Muitas dessas pessoas eram camelôs e não estão podendo trabalhar na rua. Então, ficou meio complicado e estamos dando cursos para ajudar na renda”, destaca.

Salas de leitura

Fachada da sede da ONG Afrotribo, em São Gonçalo. (Foto: Alan Alves)

Além das salas de aula, a ONG também possui salas de leitura, com diversos livros, que atendem as crianças, os pais das crianças e também idosos das comunidades – alguns com 87 anos, que fazem parte de um grupo de leitura semanal. Uma das salas de leitura, em São Gonçalo, onde fica a sede da ONG, leva o nome da atriz brasileira Ruth de Souza, que morreu em julho de 2019.

“Eu escrevi um livro, lançado no consulado de Angola, e participei da última Bienal do Livro, concorrendo a salas de leitura. E ganhamos oito salas que poderiam ser instaladas no município de são Gonçalo ou onde eu quisesse inaugurar. Foi quando começamos a montar os espaços de leitura. E a gente sobrevive aqui sem apoio nenhum. A prefeitura cedeu o espaço [em São Gonçalo], mas só isso.  Tudo que está aqui dentro, móveis e outras coisas, é de doação. Foram as pessoas que doaram para gente. Podemos atender ainda mais crianças e abrir ainda mais salas, mas precisamos de apoio para isso”, afirma.

Uma das salas de leitura leva o nome da atriz brasileira Ruth de Souza. (Foto: Alan Alves)

E o hábito da leitura incentiva o da escrita. As crianças estão até escrevendo um livro para falar sobre a vida. “É o ‘Livro de favela’, em que elas falam como está a vida delas durante a pandemia, relatam como está a situação e também falam sobre a ONG, sobre como as atividades educativas, as atividades culturais e a música estão transformando a vida delas. Estamos procurando apoio para lançar o livro em breve”, diz a presidente.

Há também na ONG uma “sala de meio ambiente”, que funciona no bairro Barro Vermelho, também em São Gonçalo. “Nessa sala as crianças têm m trabalho com hortas, aprender a fazer reciclagem, trabalham e aprendem sobre plantas medicinais e várias outras atividades”, afirma Paula.

Salas de leitura contam com diversos livros para crianças, adultos e idosos. (Foto: Alan Alves)

Premiação e reconhecimento

Paula também teve a ideia de criar uma premiação para enaltecer negros fazedores de arte e ações que fortalecem a cultura afro-brasileira. Ela realizou pela primeira vez, em janeiro de 2020, o Prêmio Ubuntu de Cultura Negra – a palavra Ubuntu é de origem bantu e significa “humanidade”.

“Uma vez eu estava assistindo ao Oscar e eu não me senti representada naquela premiação. Foi aí que me inspirei e decidi criar o Prêmio Ubuntu, onde homenageamos os negros com medalha. Eu quis muito homenagear meus irmãos com um tapete vermelho, com toda força. E consegui. Homenageamos vários fazedores de cultura do estado do Rio de Janeiro. Enchemos o Teatro Carlos Gomes com 4 mil pessoas e foi surpreendente. Não sabíamos que iríamos alcançar tantas pessoas. Teve até matéria internacional falando do nosso prêmio. Eu fiquei emocionada”, lembra.

Em 2021, por causa da pandemia, a premiação não foi realizada, mas Paula diz que espera poder fazer o próximo evento em janeiro de 2020, na área externa da Sala Cecília Meireles, que fica no centro do Rio de Janeiro.

E planos é o que não falta nessa proposta de levar educação e cultura a pessoas carentes e incentivar a valorização dos negros. “Quero fazer mais salas para cursos e estou com a proposta de colocar um cinema popular aqui, em São Gonçalo. A gente quer também abrir um espaço para uma escola de música e para montar uma orquestra com as crianças. Para isso, estamos com uma campanha para arrecadar instrumentos musicais. A gente quer avançar cada vez mais porque a gente sabe que a vida delas mudou”.

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