A inserção no mercado de trabalho ainda é um dos principais obstáculos enfrentados pelos brasileiros que têm algum tipo de deficiência. Neste 21 de setembro, em que é comemorado no Brasil o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, é importante lembrarmos das dificuldades que esses cidadãos vivenciam no dia a dia, muitos deles encarando empregos informais, ‘bicos’, subemprego.
Eles são 24% da população nacional ou 46 milhões de pessoas, nos números do Censo 2010, o último realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São aqueles que declararam ter dificuldades em ao menos uma das habilidades investigadas: enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus; ou ter deficiência mental ou intelectual.
O mais conhecido dispositivo legal criado para salvaguardar oportunidades e direitos à pessoa com deficiência (PcD) é a Lei nº 8.213/1991, que obriga empresas com mais de cem funcionários a preencher de 2% a 5% dos postos de trabalho com beneficiários reabilitados ou PcD. A legislação, contudo, não entrega a inclusão que promete.
Por um lado, especialistas em PcD afirmam que a fiscalização falha tanto no cumprimento das cotas quanto na adequação de ambientes de trabalho, além deles enfrentarem resistências culturais ou mero preconceito. De outro lado, empregadores reclamam que ficaram com todo o ônus do cumprimento da lei, sem contrapartidas que viabilizem a inclusão, como programas de capacitação.
Direito fundamental
O defensor público federal André Naves, especialista em Direitos Humanos e Sociais, afirma que o trabalho é uma garantia de satisfação da identidade e da realização do indivíduo. “É essencial ao trabalho a característica inclusiva e, ainda que não se confunda com a remuneração, esta é necessária à sobrevivência individual. As barreiras à inclusão de uma parcela da população ao trabalho trazem prejuízos individuais, mas também sociais, já que a falta de diversidade inibe a inovação econômica e a construção efetiva de políticas públicas”, diz.
Naves considera a fiscalização do cumprimento das cotas como falha no país, o que torna ainda mais necessária uma profunda mudança cultural na sociedade e maior publicidade de informações sobre PcD, para que a lei cumpra o objetivo. “O Brasil e os que lideram as atividades econômicas precisam entender que a pluralidade e a diversidade são lucrativas e essenciais à sobrevivência empresarial”.
As próprias empresas de recursos humanos reconhecem os benefícios na contratação de pessoas com deficiência para a atividade econômica. Há a melhoria da acessibilidade, que a torna mais apta a receber todos os tipos de consumidores e a aprender a atendê-los.
Para o quadro de funcionários, é uma oportunidade de aprendizagem sobre inclusão, que gera um melhor clima organizacional, respeito às diferenças e criatividade na criação de soluções ao mercado. Ainda, a convivência serve de estímulo à cooperação, que tende a melhorar o ambiente e promover maior produtividade.
Multas e entraves
Mesmo sem ser 100% eficaz, a Lei de Cotas — que completou 30 anos em 2021 -, ainda está entre as principais responsáveis pela concessão de vagas a pessoas com deficiência nas empresas. Contudo, empregadores consideram que há inúmeras dificuldades para a ocupação de um cargo por esse público, como a inadequação de instituições de formação profissional, nas ações do governo e em barreiras de ordem social, como urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes e nas comunicações.
O vice-presidente institucional da Federação Nacional dos Sindicatos de Empresas de Recursos Humanos, Trabalho Temporário e Terceirizado (Fenaserhtt), Ermínio Lima Neto, considera que a lei das cotas tem caráter mais punitivo do que inclusivo, com um peso desproporcional ao setor econômico, para tirar do Estado a responsabilidade pela inclusão. “Não somos contra as cotas, mas que sejam aplicadas racionalmente, a entender as características de cada segmento”, afirma Lima Neto, que representa cerca de 35 mil empresas que empregam em torno de 2,5 milhões de pessoas, em média, por ano.
No trabalho temporário e em serviços terceirizados, por exemplo, 90% da mão de obra presta serviços diretamente nas instalações dos clientes, que também têm de cumprir as próprias cotas. O representante da Fenaserhtt levou no último dia 14 de junho as demandas das empresas, em audiência pública no Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre a contratação de pessoas com deficiência.
Para ele, as leis deveriam amenizar crises e entraves, e não causar dificuldades por meio de multas. “O Estado não cumpre o papel social de oferecer educação para que essas pessoas estejam capacitadas ao mercado, que é o básico, então por que as empresas devem ser obrigadas a arcar com todas as obrigações da Lei de Cotas ?”, questiona Lima Neto.
Inclusão
Uma das idealizadoras e presidente do Conselho do Grupo Chaverim, a assistente social Ester Rosenberg Tarandach afirma que as pessoas com deficiência precisam ter a própria autonomia, o que inclui oportunidades de trabalho. A entidade trabalha com a sociabilização de pessoas com deficiência intelectual e psicossocial, por meio de atividades socioculturais, esportivas e de lazer. “Mas a sociedade também precisa ampliar o próprio conceito de acessibilidade”, diz.
Leonel Becker, de 61 anos, é um dos participantes das atividades no Chaverim, em São Paulo. Ele é motorista há quase 12 anos na empresa Poladian Produções Artísticas, que promove eventos e shows. “Consegui o emprego depois de ver um anúncio no jornal e passar por processo seletivo”, conta Becker.
Outra profissional que é atendida pela Lei de Cotas é Joice Heliszkowski, de 44 anos. Ela trabalha há 15 anos como mensageira na TV Cultura. Depois de passar por uma capacitação de trabalho em 2007, foi chamada em processo seletivo feito pelo Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) para ingressar na emissora.
Dia de Luta
Em 21 de setembro é comemorado, no Brasil, o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência. A data foi oficializada pela Lei Nº 11.133 em 2005, mas já era comemorada desde 1982, para ampliar os esforços pela conscientização da sociedade sobre a necessidade de organização social e de políticas públicas que promovam a inclusão, de maneira igualitária e sem preconceitos.