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Quadrinista Estevão Ribeiro fala sobre sua carreira, desafios e racismo

Fotos: Divulgação

Por Sandro Barros

Nascido em 1979, Estevão Ribeiro é escritor, roteirista e autor de histórias em quadrinhos. Capixaba de berço, mora desde 2008 em Niterói, cidade vizinha ao Rio de Janeiro. Ele começou sua carreira artística aos 20 anos de idade e coleciona em sua trajetória muitos personagens, tirinhas e livros.

Em 2011, ganhou o 23º Troféu HQ Mix na categoria Melhor Publicação Infantojuvenil pelo livro ‘Pequenos Heróis’. Em 2014, pela Desiderata, publicou a graphic novel ‘Da Terra à Lua’, inspirado no romance de mesmo nome de Júlio Verne com elementos do romance ‘Os Primeiros Homens na Lua’, de H. G. Wells, e do filme ‘Viagem à Lua’, de Georges Méliès.

O trabalho do Estevão pode ser visto nas páginas do Diário Rio. Primeiro com as tirinhas ‘Os Passarinhos’ e, mas recentemente, as da ‘Rê Tinta’. Conheça mais sobre esse talentoso artista nessa entrevista exclusiva.

Como você se viu desenhando?
Criança, eu sempre lia quadrinhos, da Turma da Mônica, da Disney e de super-heróis, muitos deles ‘herdados’ dos meus irmãos. E desde os sete anos tinha uma predilação para criar histórias, só que eu era muito bom em escrever ao invés de ilustrar. Desenhar quadrinhos mesmo foi mais pra frente, aos vinte e poucos anos. Até então eu escrevia mais e copiava desenhos. Mas eu comecei bem cedo mesmo, graças ao estímulo da leitura de quadrinhos.

E o seu primeiro quadrinho publicado?
Ainda moleque lá no Espírito Santo, eu procurava muitas gráficas para imprimir os materiais, achando que elas eram editoras, iguais às grandes editoras brasileiras, e nunca conseguia publicar por lá. Já que desde cedo eu tinha vontade de produzir quadrinhos, fui reunindo material e amadurecendo a ideia até os 20 anos, quando publiquei o meu primeiro trabalho pelo jornal Notícia Agora. Foi uma série de quadrinhos que saiam em uma página diária. Ao todo foram cerca de 360 páginas publicadas em um ano e pouco. Isso me deu mais gás para produzir outras coisas também.

E a sua primeira edição própria, como foi?
Passei, dos meus 14 anos de idade, quando comecei a querer fazer alguma coisa, até os 20 estudando, indo às gráficas, conhecendo o processo gráfico e tipos de papel, qualidade de coisas para, enfim, conseguir publicar. Em 2001 eu lancei um compilado de histórias do personagem Tristão, que haviam saído no jornal, pela Editora Escala Graphic Talents. E depois disso eu comecei a publicar outros materiais, seja por conta, até mesmo por conhecer o processo gráfico, quanto por demanda de encomendas.

Como você usa as mídias digitais para divulgar sua arte?

Olha, eu não sou o cara mais eficaz nisso, pois não tenho a disciplina de quem produz diariamente e consegue deixar seu trabalho em evidência. Como eu faço muitas coisas ao mesmo tempo, acaba que não tenho esse foco. Hoje, por exemplo, administro o meu perfil pessoal, o perfil da personagem Rê Tinta, que é o que mais me dá mais retorno em termos de visibilidade, e as outras redes sociais eu tento administrar de uma forma que elas não ‘morram’. Mas o trabalho mais específico nessa área é o da Rê Tinta, que é o meu mais recente, de dois anos. Imagina só: eu tenho 41 anos e somente há dois anos consegui ter uma presença marcante na internet com conteúdo. De resto, eu tenho ‘Os Passarinhos’, que foi um material que fez muito sucesso na mídia digital, citado por Neil Gaiman, Paulo Coelho e outros escritores, mas são materiais que fazem muito mais sucesso na mídia impressa do que na virtual.

Fale um pouco mais sobre a Rê Tinta…
Ela vem de um processo de procura fazia muito tempo, buscando algo em que pudesse trabalhar a representatividade. E isso aconteceu quando eu estava no Festival Internacional de Quadrinho [FIC] de Belo Horizonte, em junho de 2018. Tinham muitos negros no espaço e colocaram, coincidentemente, eu e mais dois artistas pretos em mesas próximas umas das outras. No evento com cerca de 180 mesas, tinham apenas três com negros em sequência, o que era uma coisa muito rara, já que não éramos 10% do total de artistas. Então as pessoas vinham até nós três perguntando o que tínhamos de material ‘pra preto‘. E eu tinha muito material, mas era, digamos, universal, onde tinham negros, mas não tinham apenas negros. Quando sai do FIC fiquei com isso na cabeça e Rê Tinta veio como um estalo, assim. Um mês depois ela estava sendo publicada no Instagram.

Tivemos avanços na luta contra o racismo?
O que evoluiu nessa questão? É que as pessoas estão denunciando! Antigamente se tinha muito medo de perder o emprego ou espaço em seu grupo por denunciar um ato de racismo. O que o Brasil precisa entender ainda hoje é que nosso povo é basicamente racista, foi educado para ser racista. E quando você diz que a pessoa está sendo racista, ela leva isso como se fosse uma ofensa muito grave ao invés de se questionar: ‘estou sendo racista?’, ‘onde?’, ‘como?’. E isso faz toda a diferença e é necessário que seja feito.

Mas isso não basta, certo?
Sempre que você tem alguns avanços, como a questão de cotas, passado um tempo a indignação de pessoas que acham que estão perdendo o espaço conquistado, graças aos seus privilégios, vem de uma forma muito mais brutal. Estamos vendo um aumento de assassinatos de negros porque alguns acham que estão perdendo terreno. Da mesma forma em que estamos denunciando os atos racistas, as pessoas estão perdendo o ‘medo’ de serem racistas. Ninguém nunca foi condenado por racismo no Brasil, mesmo sendo um crime inafiançável, pois sempre foi considerado como injúria racial. Então, a gente só vai conseguir ter algum tipo de resultado quando alguém, de verdade, for presa por racismo e cumprir essa pena.

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