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Quando falta vontade, sobra desculpa

 

Pioneira numa família de analfabetos, frequentou a escola, ainda que por cerca de dois anos. Migrou de sua comunidade rural para uma grande metrópole. Tornou-se uma das primeiras moradoras de uma das “favelas” que começavam a surgir na época, cuja a moradia construiu com as próprias mãos. Carolina Maria de Jesus não permitiu ser encaixotada na premissa vitimista da ausência de oportunidades, e, sim, faltaram-lhe muitas. Tampouco admitiu a imposição de um destino trágico de miserabilidade por nascer na pobreza.

Abdicou de todas as profecias que lhe dedicaram como mulher, pobre, iletrada, que catava lixo para sustentar os filhos. A desigualdade socioeconômica jamais destruiria os planos de Carolina de viver dias melhores, longe da favela que ela chamava “tétrica”. Teve a audácia de descrever a sua vida na favela para o mundo, contar o cotidiano do ambiente em que vivia com os filhos sob o seu olhar particular, revelar sua dor e seu sofrimento e reconhecer o dos outros ao redor, expressar suas ideias como única forma de se libertar.

Assim nasceu “Quarto de Despejo” (publicado em 1960), um diário já traduzido para mais de 14 idiomas, conhecido em cerca de quarenta países. Dentre outras obras, retrata a violência e a fome, temas constantes do seu ambiente. A marginalidade, citando crimes praticados por moradores do que ela descrevia como “recanto dos vencidos”, bem como a discriminação e o descaso do poder público em cuidar da população desfavorecida.

Descaso que se intenta reparar através da Lei 14.118/2021 e do Decreto 10.600/2021, já em vigor, que institui o “Programa Casa Verde e Amarela”, para promover o direito à moradia a famílias residentes em áreas urbanas e em áreas rurais, associado ao desenvolvimento econômico, à geração de trabalho e de renda e à elevação dos padrões de habitabilidade e de qualidade de vida da população urbana e rural.

Há registro de material inédito deixado por Carolina Maria de Jesus em 58 cadernos, que somam cinco mil páginas de textos: são sete romances, 60 textos curtos, 100 poemas, além de quatro peças de teatro e de doze letras para marchas de carnaval. A autora recebeu diversas homenagens de Academias de Letras, além de um título honorífico da “Orden Caballero delTornillo”, na Argentina, em 1961.

De algum modo Carolina Maria de Jesus sabia que seria ouvida, como foi, e é. Se sobra vontade, falta desculpa. Faça a sua voz ser ouvida!

Sabrina Campos

Advogada e árbitra

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