Jornal DR1

Réveillon dos desesperados por amor

Pagar caro o aluguel de uma moradia que, não sendo sua, apenas funciona como habitação para descansar. Vida que irrompe no trabalho agitado em que você sente, cotidianamente, o suor e o desânimo escorrerem pela testa engordurada.

Não, não podemos parar jamais, nós, as pessoas de bem.

Somos máquinas produtivas que enriquecem os ricos neste Brasil hipócrita que mais se parece com um desses bêbados sem noção, apontando o dedo para o pecado alheio. Mas é preciso, cidadão brasileiro, ir às compras. Afinal de contas, parece que tudo que fazemos, sempre tem a ver com compras; para o churrasco, para o carnaval que se aproxima, para o aniversário do filho. E para seu aniversário, meu querido funcionário terceirizado? Nada além de um mísero dia de felicitações.

Mas é preciso trabalhar e encher o bolso alheio, certo? E falar mal do diretor que chegou chegando e da nova funcionária que mal foi contratada e já quer sentar-se na janela, a folgada.

 

Sejamos sinceros, nem tudo é tão ruim assim, o esforço às vezes até vale a pena. Sempre há a alegria do fim de semana e dos feriados em que não precisamos ser comportados e agradecidos ao chefe, o Dr. Alfredo, com seu terno azul marinho e o hálito de bebida alcoólica.

Há também os desejos mirabolantes que nos invadem inesperadamente, mas que guardamos somente para nós mesmos e que, de tão inconfessáveis, fariam enrubescer até mesmo um capelão de convento.

Ah, nossos mistérios! Não haverá psicanalista que algum dia chegue a compreendê-los. Por hoje, basta chegar à casa alugada, tomar um demorado banho quente e sentir a água que tudo limpa, que nos batiza para a madrugada e para o último encontro humano.

Lembra-te de teu primeiro olhar em direção à água verde e brilhante, ao mar de Ipanema? Você era ainda pequenino como um fruto desabrochando, mas despegou-se de teu pai e saiu correndo em direção às ondas que acariciavam a areia. Depois, durante todos os anos seguintes, o orgulho de andar reto, de cabeça levantada, por toda a existência. E pagar tintim por tintim cada centavo devido: foi esta a educação que recebeste do teu falecido pai.

Ah, saudades do velho! Mas restou, guardada nas pupilas fechadas, a bela festa de formatura no curso de Direito. Os abraços dos amigos, o orgulho do seu Jorge que hoje em dia é o teu orgulho em navegar pela vida, honrando as lembranças de quem te ensinou a reconhecer cada pedacinho precioso da areia carioca. Que Deus guarde o velho!

Mas as orações, você esqueceu tantas! Ficou aquela bonita que fala em caminhar pelos prados, onde o Senhor é pastor e nada faltará.

E tanta coisa falta! O dinheiro para o aluguel no mês seguinte, as irresistíveis compras no supermercado e o sorriso amarelo diante do trabalho quase escravo.

O sol brilhando majestoso lá fora e você ainda jovial e sorridente, apesar do ano que acaba, vai passando lentamente como as areias de tua infância varridas pelo vento que acompanha tua solidão, hoje e desde o nascimento da luz em teus olhos.

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