Jornal DR1

Sem robôs nem altos custos: técnica brasileira inova cirurgia do câncer de próstata no SUS

Foto: Dr. Valter Gouvêa/Assessoria

O câncer de próstata é o tumor mais frequente entre homens no Brasil, excluídos os cânceres de pele não melanoma. Diante da alta incidência da doença, especialistas buscam métodos cirúrgicos que aliem eficácia, segurança e viabilidade econômica, especialmente em sistemas públicos de saúde.

A prostatectomia radical, cirurgia indicada para remoção completa da próstata com intenção curativa, passou por avanços significativos nas últimas décadas. Desde os anos 1980, quando o urologista Patrick Walsh introduziu a preservação dos feixes nervosos responsáveis pela ereção, o procedimento evoluiu para reduzir complicações e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Na década de 1990, a laparoscopia trouxe incisões menores e recuperação mais rápida, mas a complexidade técnica e a longa curva de aprendizado limitaram sua difusão. Já nos anos 2000, a cirurgia robótica, com o sistema da Vinci, ampliou a precisão dos movimentos e a visualização anatômica. Apesar disso, o alto custo do equipamento restringiu seu acesso, sobretudo em países de renda média, como o Brasil.

Diante dessa desigualdade tecnológica, uma equipe do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe-Uerj) desenvolveu uma alternativa inovadora: a AORP (Open Anterograde Anatomic Radical Prostatectomy). A técnica adapta princípios da cirurgia robótica à cirurgia aberta tradicional, sem a necessidade de equipamentos caros.

Criada em 2015, a AORP se baseia em três pilares técnicos: dissecção anterógrada, preservação do colo vesical e da uretra abdominal, e anastomose contínua segundo a técnica de Van Velthoven. O método utiliza apenas instrumentos convencionais, mantendo os fundamentos anatômicos que garantem melhores resultados funcionais.

Após um estudo piloto, a técnica foi avaliada em um ensaio clínico randomizado com 240 pacientes, entre 2016 e 2019. Os resultados indicaram menor perda sanguínea, redução do tempo de uso de sonda urinária e recuperação mais rápida da continência urinária em comparação à técnica aberta tradicional. Em 30 dias, cerca de 61% dos pacientes submetidos à AORP já estavam continentes, contra 42% no grupo convencional.

No controle do câncer, considerado o principal objetivo do procedimento, os resultados foram equivalentes entre as técnicas. Estudos adicionais, incluindo comparações com a cirurgia robótica e análises de seguimento de cinco anos, reforçam a segurança e a eficácia oncológica da AORP.

Além dos benefícios clínicos, a técnica apresenta impacto econômico relevante. Comparações apontam que o custo da AORP pode ser até quatro vezes menor que o da cirurgia robótica, desconsiderando a aquisição da plataforma tecnológica. Em hospitais públicos e no Sistema Único de Saúde (SUS), onde a robótica ainda é exceção, a AORP surge como alternativa estratégica para ampliar o acesso a um padrão cirúrgico avançado.

A experiência da Uerj evidencia que inovação médica não depende exclusivamente de tecnologias de alto custo, mas também de conhecimento anatômico, refinamento técnico e criatividade científica. A AORP já desperta interesse internacional e pode se tornar referência em países que enfrentam limitações semelhantes.

O desenvolvimento da técnica reforça o papel da pesquisa brasileira na produção de soluções acessíveis e de alto impacto, capazes de transformar a assistência em saúde e beneficiar milhares de pacientes.