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Deleite Linguístico: No meio do caminho tinha uma preposição. Tinha uma preposição no meio do caminho, meu caro Drummond!

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Em nossa rotina, quantas são às vezes em que nos deparamos com textos que nos deixam duvidosos acerca de nossos conhecimentos linguísticos, embora sejamos falantes nativos do Português? Incontáveis. Justamente por isso, fiz alusão aos versos do poema intitulado No meio do caminho, de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1928 na Revista de Antropofagia. Das mais variadas tentativas de interpretação desse poema, Gilberto Mendonça Teles aventa a possibilidade de ele ser motivado pela perda do filho Carlos Flávio, que Drummond e a esposa Dolores de Morais tiveram, e que infelizmente faleceu após meia hora de vida. Segundo Teles, as palavras “pedra” e “perda” são formadas pelas mesmas letras, com o deslocamento do R, o que configura uma hipértese, uma figura de linguagem pouco conhecida.

O intuito desse poema pode ser visto como uma forma de abordarem-se os obstáculos com os quais nos deparamos ao longo da vida. Um deles é seguramente o emprego da variedade norma-padrão da língua portuguesa. Não à toa, meu amado professor Evanildo Bechara – que nos deixou justamente no dia 22 de maio, dia de meu aniversário – ao ser entrevistado, afirmou que “além de regras, a língua portuguesa tem variações: a escrita, a falada, a culta, a formal, a informal, etc. O certo, no caso, é ser poliglota na própria língua”. Diante desse ensinamento, sejamos capazes de passear pelas várias nuances de nossa riquíssima língua, cientes da importância de dominarmos a variedade de maior prestígio social. Analisem, para isso, os seguintes períodos: “Estas medidas visam a recompor o saldo orçamentário.” “Este projeto visa a contribuir para a melhoria da aprendizagem.” Após lê-los, diriam que, a princípio, não há deslizes detectados. Infelizmente existe uma “pedra” no meio do caminho, materializada pela preposição “a”. Alguns pensarão: “Por quê?” Simples, meus caros! Em uma locução verbal em que o verbo “visar” se encontra acompanhado de outro verbo no infinitivo, a utilização da preposição é entendida como uma inadequação. Logo o emprego dessa classe gramatical invariável será descartado.

 Em contrapartida, esse raciocínio não valerá neste caso: “O projeto visa à implementação de um projeto de recomposição de aprendizagem.”, visto que “visar” não compõe uma locução verbal. Sendo assim, a preposição “a” será compulsória em respeito à regência verbal de “visar” no sentido de “ter por objetivo”. 

       Só para acrescentar os possíveis valores semânticos do verbo visar, deixo os casos em que a preposição não pode ser empregada. Ei-los: 1) visar no sentido de dar visto. Ex.: A professora visa diariamente os cadernos dos alunos; 2) visar no sentido de mirar. Ex.: A senhora visa o pôr do sol, relembrando sua infância. Creio que, a partir dessa explicação, seja mais fácil transpor qualquer pedra que possa levá-los a deslizes linguísticos.

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