Jornal DR1

O Cantador de Histórias: Um amor em fuga no Mercadão de São Paulo

HS 29 NO MERCADÃO DE SP

Era 25 de janeiro de 2012, um dia simbólico: aniversário da cidade de São Paulo. Enquanto a metrópole despertava preguiçosamente, o grupo Serenata & Cia se preparava para uma missão especial. Joana havia nos procurado semanas antes, com os olhos brilhando de amor e ansiedade. “Quero que José saiba o quanto ele é especial no dia do aniversário dele. Ele merece algo inesquecível.”

Joana escolheu o Mercadão como cenário para a homenagem porque o via como um templo icônico da cidade, um lugar que representava a alma paulistana com sua mistura de tradições, sabores e histórias, e também por ser o lugar onde José trabalhava.

Acordamos às 4h30, e, com um friozinho na barriga, seguimos rumo ao Mercadão. O sol ainda despontava tímido quando entramos naquelas arcadas repletas de aromas e cores. Os primeiros comerciantes, intrigados, nos observavam com sorrisos curiosos, enquanto afinamos o violão e aquecemos as vozes. Tudo parecia correr bem — até que José apareceu.

Ele estava organizando os produtos de sua loja, quando percebeu nosso movimento. Sua expressão transpareceu um misto de surpresa e pânico. Assim que entendeu o que estava para acontecer, largou tudo e disparou corredor afora. Ficamos atônitos por um momento, mas logo a missão falou mais alto. Saímos em seu encalço, pedindo pra nos ouvir enquanto clientes e lojistas riam, criando uma cena digna de uma comédia pastelão.

“José! Espera! Temos uma mensagem especial pra vc e é da Joana,                                      Ele, sem olhar para trás, gritou de volta: “Eu não pedi nada disso, me deixem em paz!”

Por minutos que pareciam eternos, rodamos pelos corredores — ele fugindo, nós insistindo, e os espectadores, entre risos e celulares erguidos, assistindo ao inusitado espetáculo. Finalmente, exaustos, desistimos. Retornamos à loja onde Joana nos esperava. Ela estava lá, desolada, com os olhos marejados. “Eu não consigo acreditar que ele fez isso”, sussurrou, enquanto a realidade do momento se acomodava no ar pesado de decepção.

Dias depois, soubemos que José e Joana haviam se separado. Segundo ela, aquele dia escancarou o que vinha sendo abafado: a falta de reciprocidade. “Eu quis demonstrar meu amor, mas percebi que talvez ele nunca tenha se importado tanto quanto eu.”

Ainda assim, naquele momento crítico, algo profundo surgiu. É estranho pensar como uma homenagem romântica pode virar um espelho para as relações. No fundo, não se trata apenas de uma serenata. Trata-se de se permitir ser vulnerável, de aceitar o amor que nos é dado e retribuí-lo à altura. Talvez José tenha fugido não só da música, mas também da responsabilidade de amar de volta com a mesma intensidade.

Enquanto guardávamos nossos instrumentos, um dos lojistas comentou: “Vocês trouxeram um pouco de poesia para o Mercadão. Mesmo que ele tenha fugido, foi inesquecível.” E talvez essa seja a essência da vida em São Paulo: é intensa, confusa, mas cheia de histórias para serem preservadas.

Assim como o aniversário da cidade, aquele dia deixou sua marca. Afinal, é nos momentos mais inusitados que encontramos a beleza e a verdade — ainda que seja em meio a corredores, risadas e um amor que escolheu não ficar.

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