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Serra: O Caldeirão de Santa Cruz do Deserto ou Caldeirão dos Jesuítas

Post Jornal DR1 2024 (9)

Holocausto da seca, uma chacina que a história do Brasil esqueceu

O Caldeirão de Santa Cruz do deserto faz parte dos chamados movimentos messiânicos. Um  termo restrito a crença na vinda – ou no retorno- de um enviado divino libertador, um  messias, com poderes e  atribuições que aplicará ao cumprimento da causa de um povo ou um grupo oprimido. Assume a forma de uma monarquia política, e o próprio rei com sua dinastia, transforma-se no seu elemento determinante. O rei representa o povo, e, através dele, o povo age com unidade política. Ele pode ser compreendido como uma crença, por isso o nome remete à ideia vinculada a uma tradição judaica-cristã inscrita no ideal de um povo escolhido, representa, em parte os movimentos populares, de cunho religioso  que ocorreram no Brasil.

Uma relação aparente que une esses movimentos, além das questões sociais, é o forte senso de coletividade, na medida que sobrepuja as individualidades, em nome do bem comum, envolvendo, sempre, a história e as necessidades do coletivo, na transformação da terra para todos e não para um só. O forte senso comunitário forma uma irmandade com leis próprias para reduzir as desigualdades. O elemento religioso é sua maior característica.

No Brasil, os movimentos messiânicos foram marcados pelo sebastianismo  portugues (movimento profético messiânico apoiado na crença que o rei portugues Dom Sebastião, desaparecido em 1578 na batalha de Alcácer-Quibir, iria regressar, a Portugal, nu manha de nevoeiro, para conduzir o povo a uma nova era de esplendor), com comunidades fundadas e d  por um  líder religioso.

A região do Nordeste brasileiro por muito sofreu com o autoritarismo dos latifundiários locais, denominados coronéis.  As alianças políticas aumentaram o seu poderio e legalizaram, com isso, os maus tratos aos moradores carentes  das localidades. A falta de expectativa em uma vida mais justa levava a população submeter-se aos mandos e desmandos dos chamados coronéis.

O Caldeirão de Santa Cruz do Deserto surgiu nas terras do Crato, interior do Ceará, cariri cearense.  Consistia  numa comunidade formada e liderada pelo paraibano, de Pilões de Dentro, José Lourenço Gomes da Silva, que ficou conhecido por beato José Lourenço.

José Lourenço e sua família ao migrar para Juazeiro do Norte conheceu Padre Cícero de  quem , logo,  ganhou  simpatia e  confiança, tornando-se um guia espiritual para o beato que passou a incorporar as maneiras de agir, pensar e sentir do padre. Passa a fazer parte da Ordem dos Penitentes da Santa Cruz, grupo religioso secreto bastante conhecido, na época, em todo Nordeste.Arrendou , com auxílio de Padre Cícero,um lote de terra no sítio Baixada Dantas, no Município de Crato, onde, com o esforço e trabalho do beato e de seus romeiros, fizeram  com que a terra  prosperasse  e  produzisse cereais e  frutos.  Diferentemente do que acontecia nas fazendas vizinhas, na comunidade, toda produção era, igualmente, dividida.

O beato tornou-se líder daquele povoado, e se dedicou à religião, à caridade e a servir ao próximo. Mesmo analfabeto, era ele quem dividia as tarefas e ensinava agricultura e medicina popular. Padre Cícero, sempre, enviava pessoas que precisavam de ajuda para trabalhar e obter sua fé. Após o surgimento da Sedição de Juazeiro (Revolta ou Sedição do Juazeiro, foi um confronto ocorrido em 1914, na República Velha, entre as oligarquias cearense e o Governo Federal (Presidente Marechal Hermes da Fonseca), provocado pela interferência do poder central na política estadual nas primeiras décadas do séc. XX), por não ter participado da revolta, Zé Lourenço teve suas terras invadidas por jagunços e reconstruída, logo após o fim da revolta, pelos seus seguidores.

A Comunidade de Caldeirão de Santa Cruz do Deserto chamou a atenção por andar na  contramão do sistema injusto imposto pelos líderes regionais e pelo governo. Sobreviventes das injustiças sociais e das intempéries impostas pelo clima seco, os seguidores do beato José Lourenço conseguiram, por algum tempo, viver um regime pautado pela igualdade e fraternidade, o que desagradou  os latifundiários.

Acusados de praticar um comunismo primitivo, os moradores da comunidade religiosa foram duramente perseguidos, pois não contavam mais com a proteção de Padre  Cícero,  falecido  desde 1934. Além do medo de que os  ideais comunistas se espalhassem pelo país, os grandes fazendeiros temiam que o exemplo de colaboração fosse seguido por outros grupos da região, podendo, assim, ameaçar a autoridade exercida por eles.

Em 1937, ano em que Getúlio Vargas liderou um golpe que garantiu a sua permanência na Presidência da República e instituiu uma severa ditadura no país, os moradores de Caldeirão de Santa Cruz do Deserto foram denunciados e acusados de praticarem o comunismo. Tropas do governo federal e da polícia militar do Estado do Ceará invadiram e bombardearam a localidade, deixando um saldo de milhares de mortos que após o ocorrido foram enterrados em valas comunitárias.

O beato José Lourenço fugiu para Pernambuco, onde faleceu aos 74 anos, vítima da peste bubônica. Seu corpo foi levado para Juazeiro onde foi enterrado no cemitério do Socorro.

Outros movimentos messiânicos ocorridos no Brasil – Borboletas  Azuis (Campina Grande-PB), Canudos (Sertão Baiano), Contestado (divisa de Santa Cataria e Paraná), Muckers (Sapiranga-RS) , Monges do Pinheirinho (Província de Encantado-RS) e Monges Barbudos (Sobradinho-RS).

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