a véspera do aniversário de oito anos da tragédia, os atingidos
pelo rompimento da barragem de Fundão disseram que executivos mentem
sobre compensação às vítimas
Atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana,
confrontaram executivos da BHP Billiton durante a Assembleia Geral Anual
dos acionistas da mineradora nesta quarta-feira (1) em Adelaide,
Austrália. Cinco atingidos pelo rompimento – dentre quilombolas,
moradores de Mariana e areeiros – acusaram a empresa de esconderem dos
investidores a seriedade do crime ambiental e social causado pelo
derramamento de rejeitos tóxicos da Samarco na Bacia do Rio Doce em
2015.
Os brasileiros usaram procurações cedidas por acionistas para
participarem da reunião e, por cerca de 50 minutos, fizeram relatos das
perdas pessoais e coletivas que suas comunidades sofreram e ainda
sofrem. A participação durou cerca de 50 minutos e acabou dominando
todo o encontro, que foi marcado pelo constrangimento do chair da BHP,
Ken Mackenzie, e do CEO, Mike Henry, que conduziam as respostas. A
reunião foi encerrada logo após a última brasileira usar a palavra,
seguida de aplausos.
As vítimas – que são clientes da ação que tramita na Justiça da
Inglaterra movida pelo escritório Pogust Goodhead – alegaram que a BHP
não aprovisionou recursos suficientes para arcar com o processo nas
cortes inglesas. Afirmaram ainda que a mineradora engana os acionistas
sobre o estado da recuperação do ecossistema ao negar a toxicidade dos
rejeitos que ainda hoje estão depositados no Rio Doce. Os atingidos
enfatizaram também que a mineradora fracassou em oferecer reparação
justa e integral, sobretudo às comunidades quilombolas e indígenas.
Mônica dos Santos, moradora do distrito de Bento Rodrigues, criticou a
Fundação Renova e lembrou que 107 pessoas já morreram desde o
rompimento da barragem – sendo 58 de Bento Rodrigues. Ela tentou
entregar aos executivos uma garrafa da lama símbolo da tragédia e um
cartaz com a foto das 19 pessoas mortas em decorrência do rompimento.
Mônica, no entanto, foi impedida de se aproximar do executivo. “Essa é
a empresa que vocês investem, a empresa que tira vidas”, disse à
plateia. “Só me mostra o canalha que vocês são”, completou Mônica ao
se dirigir a Mackenzie.
“A maioria não recebeu sequer as migalhas que estão sendo oferecidas
pela Fundação Renova. A Renova só leva em consideração o que eles
querem reconhecer. Dessas 58 pessoas [que morreram], eu perdi o meu
irmão três anos atrás, de 37 anos. Perdi primos, perdi tios, perdi
amigos. A pergunta que fica é: Quando vocês vão devolver a minha vida
de volta?”, questionou.
Ao final da reunião, diversos acionistas australianos procuraram as
vítimas brasileiras para agradecer pelos relatos. Muitos disseram que
não tinham ideia da tragédia até hoje vivida por toda a Bacia do Rio
Doce. “Tive que viajar meio mundo para que minha voz fosse ouvida pela
BHP. Os executivos e o conselho da BHP cometeram dois crimes –
primeiro, a negligência no rompimento da própria barragem, mas agora,
eles estão sendo cúmplices do segundo crime que é negar a mim e a
todas as outras vítimas do desastre uma compensação justa. Levei
minha luta por justiça contra a BHP ao tribunal na Inglaterra e
dedicarei o resto da minha vida, se for necessário, a deter estes
criminosos responsável”, declarou Edertony José da Silva, areeiro de
Governador Valadares.
Tom Goodhead, sócio-administrador e CEO global do escritório de
advocacia Pogust Goodhead, que representa 700 mil vítimas na ação da
Inglaterra, elogiou a participação das vítimas na reunião.
“Meus clientes enfrentaram corajosamente a BHP em sua Assembleia
Geral, forçando o Presidente da BHP, seu CEO e maiores acionistas a
ouvirem seus gritos por justiça. Oito anos depois desse ecocídio
causado pela BHP – em que priorizaram o lucro em detrimento da
segurança –, a mineradora ainda não conseguiu fornecer compensação
adequada a cerca de 700 mil dos meus clientes”, ressaltou.
O desastre
A barragem do Fundão, em Mariana, rompeu em 5 de novembro de 2015 e
lançou mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos de
mineração em quase 700 km de cursos d’água ao longo do Rio Doce,
matando 19 pessoas e destruindo todo o ecossistema da região.
A catástrofe resultou em aldeias soterradas pela lama, milhares de
pessoas deslocadas, produções agrícolas, estoques pesqueiros e meios
de subsistência destruídos por lama tóxica contendo metais pesados,
arsênico, mercúrio, níquel e alumínio. O impacto do desastre
continua até hoje: rejeitos não foram removidos, os meios de
subsistência das pessoas estão devastados, e empresas e municípios
amargam bilhões de reais em perdas e prejuízos.
O processo movido desde 2018 pelo escritório Pogust Goodhead é
considerado a maior ação coletiva do mundo, com mais de 700 mil
vítimas e indenizações que chegam a R$ 230 bilhões (US$ 44
bilhões). Entre os requerentes estão moradores, comunidades indígenas
e quilombolas, empresas, municípios, instituições religiosas e
autarquias prestadoras de serviços públicos.