Jornal DR1

Do fumo, a luz e agora, ruínas: a antiga fábrica de gás.

 

Prédio depredado na Av. Presidente Vargas ainda possui sua inscrição em latim, mas sua história e importância são pouco conhecidas pelos cariocas.

 

Passar pela Avenida Presidente Vargas é ver um punhado de prédios antigos do Rio de outrora, abandonados e mal conservados, infelizmente. Mais triste ainda é saber que cada um desses prédios possui uma história e foi de grande importância para a cidade que é nosso presente. 

Um desses prédios – por exemplo – foi essencial para a iluminação do Rio de Janeiro durante meados do Século XIX: a antiga fábrica de gás, que fica no número 2610 da Av. Presidente Vargas ( que já se chamou Caminho do Aterrado e depois Senador Euzébio, antes do nome atual), que foi construída pelo Barão de Mauá: Irineu Evangelista de Souza.

Antes de mais nada, é preciso contextualizar como era feita a iluminação no Rio de Janeiro durante os tempos de Colônia, passando por Reino Unido até o Império: a cidade não tinha um sistema de iluminação oficial. As ruas eram iluminadas precariamente com oratórios rústicos,  cujos nichos se acendiam com velas de cera ou mesmo candeeiros de azeite, óleo de baleia ou peixe. Tais combustíveis eram muito caros na época e essas instalações não eram públicas, mas sim particulares. No final do dia e início da manhã, os escravos tinham a tarefa de acender e apagar os candeeiros.

Como naquela época era comum “dormir com as galinhas”, ou seja, quando o sol se punha, eram raras as pessoas que se aventuravam pelas ruas cariocas à noite. Quem o fazia, iluminava o caminho usando archotes ou lanternas de mão, quase sempre carregadas por escravos.

Uma iniciativa pública de iluminação das ruas foi feita pelo Vice-Rei Conde de Rezende D. José Luís de Castro, em  fins do século XVII, que mandou colocar os primeiros candeeiros públicos, na proporção de dois por logradouros, menos nas ruas de maior movimento, onde eram colocados quatro. Tudo isso às custas do governo. Ainda assim era uma logística cara e pouco eficiente, dada ao preço dos azeites e óleos que alimentavam os candeeiros e a fraca iluminação que os mesmos proporcionam.

Foi então que o Barão de Mauá trouxe a solução, um sistema que já era usado para iluminar as ruas européias: o gás. Ele construiu a fábrica entre os anos de 1852 a 1854 e o complexo industrial passou a ocupar todo o quarteirão entre as travessas de São João e do Porto, que atualmente são as ruas Dr. Carmo Neto e Comandante Mauriti.

No prédio, havia o escritório, a oficina de modeladores, o depósito de medidores e dos aparelhos para exame dos registros do combustível, o laboratório e a câmara escura onde se aferia o gás iluminativo. Desta parte do prédio para ambos os lados, era o pavimento térreo: um dos lados era habitado pelos funcionários mais graduados da fábrica, que tinham à disposição uma biblioteca com sala de leitura, botica bem provida e tanques para banho, tudo para recreação e conforto. O outro lado do edifício era ocupado pelos aparelhos purificadores do gás. Os empregados encarregados de acender os lampiões residiam todos em um vasto salão, e os escravos da empresa ocupavam outro de mesma extensão.

No pátio interno ficavam as fornalhas, as retortas, demais aparelhos para produção de gás e os três gasômetros. Havia ainda um relógio de quatro faces no torreão, de fabricação inglesa. Este relógio foi destruído em um incêndio em 1889, mas foi restaurado e funciona até hoje. 

Era portanto uma fábrica bem completa, equipada e moderna para a época. Onze anos após sua inauguração, o Barão cedeu a concessão do serviço  para a companhia inglesa Rio de Janeiro Gas Company Limited. Na fachada da fábrica, além do nome do Barão, há a inscrição ‘Ex fumo dare lucem’ , que significa ‘Do fumo, a luz’ em latim. É uma citação do poeta romano Horácio.

Tal inscrição é o que torna esse prédio identificável nos tempos atuais, uma vez que sua fachada -outrora um marco na modernidade tecnológica da cidade – agora está deteriorada, depredada e repleta de pichações. Lamentavelmente, um pedaço da história do Rio de Janeiro que centenas de pessoas que passam em frente da fábrica de gás diariamente desconhecem sua importância…

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